Capítulo 2 - Angel's Fall

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Foxes estava quase pronta para sair. Olhou para seu reflexo no grande espelho, que fazia as vezes de porta de correr do closet, e gostou de sua imagem. Seus longos cabelos negros escorriam por seus ombros e terminavam no meio de suas costas; o rosto redondo, carregava uma maquiagem pesada; seus lábios grossos estavam pintados de vermelho, mas essa era a única cor em sua figura, tudo o mais era preto ou cor de pele, com exceção de seus olhos, que tinham um azul profundo. Suas botas de cano longo estavam sobre a calça de couro, assim como a jaqueta estava sobre uma camiseta. Ao longo de seu antebraço direito, se enroscava um chicote de electrum, material especial utilizado por caçadores de sombras que tinha como maior objetivo atingir demônios. Porém, essa não era sua única arma: uma longa espada, Cortana, estava devidamente ajustada na bainha e presa às costas da garota.
Apesar de se agradar com sua imagem, havia algo faltando. Esse problema logo foi resolvido com a escolha de uma peruca vermelho sangue, com os fios na altura do ombro. Se olhando no espelho outra vez, sentiu que estava pronta. Pegou sua Estela de cima da escrivaninha e saiu do quarto, trancando a porta em seguida.
Há semanas que ela e Hunter, seu companheiro de caça, haviam sido designados para achar um garoto caçador de sombras. Seu nome era Luke Highmore, e ela já o detestava. Apesar de ter uma porcentagem de chance de ele escolher não ficar no instituto e levar, ou tentar, a vida como mundano, isso não era o que acontecia na maioria dos casos. Mesmo porque, uma vez que se sabe da verdade, de toda ela, é muito difícil voltar a viver normalmente. Fox já conseguia enxergar um garoto pentelho, atrapalhando a harmonia do instituto e a dela mesma, já que Hunter e seu pai, Dean Blackthorn ou só Sr.Blackthorn, davam a ela espaço suficiente para que sofresse sua dor em paz, sendo sempre respeitosos a ponto de nem entrar no assunto da morte de seus pais. Fosse como fosse, essa era sua missão por hora, e Foxes Carstairs não costumava falhar.
A garota acabou encontrando Hunter esperando pelo elevador no final do corredor. Agora, com as botas de salto alto, era apenas poucos centímetros mais baixa do que ele, não que ela não fosse alta normalmente. Não era um dos dias em que ela estava afim de papo, então respondeu a saudação do garoto loiro apenas com um aceno de cabeça e entrou no elevador logo que ele atingiu o andar em que estavam esperando.
Hunter também tinha a fisionomia típica de um caçador de sombras. Era alto, forte na medida certa e tinha os ombros largos. A linha de seu maxilar era bem definida, assim como seus lábios relativamente finos; seu nariz também era fino, levemente empinado e formava uma espécie de bolinha na ponta, que fazia parecer que eles estava com o queixo erguido o tempo todo. A peculiaridade vinha de seus olhos, o garoto tinha heterocromia: Seu olho direito era azul, mas um tom diferente do dela, mais como um azul safira e o esquerdo era tão dourado, que as vezes parecia até cintilar. As orelhas, o que realmente denúnciavam sua real condição, eram pontuadas, como as de uma fada, mais especificamente, de sua mãe, com quem Dean tivera um caso há pouco mais de dezenove anos. Assim como ela, o rapaz usava preto dos pés a cabeça, porque isso era como uma norma para os caçadores: "melhores em preto do que as viúvas de nossos inimigos desde 1234". Ele também carregava armas, mas as suas eram um arco longo, feito de ferro ornamentado com várias runas e, em suas costas, havia uma alijava presa, cheia de flechas prontas para o uso. Além disso, ele também levava um cinto de armas. A estela ia em sua mão e ele a girava entre os dedos de forma inquieta, conseguindo irritar um pouco mais Foxes, que estava encostada na parede metálica do elevador com os braços cruzados e uma carranca de espantar qualquer um que ousasse se aventurar a olhar para ela.
Sem muitas mudanças de humor, em menos de cinco minutos estavam os dois andando pela calçada do instituto. Já sabiam para onde ir, pois nessa tarde, receberam uma denúncia anônima a respeito do paradeiro da feiticeira que tinham contratado uns dias atrás para rastrear Luke, mas que até agora não dera nenhuma resposta.
Aparentemente, demônios e seres do submundo gostavam de casas noturnas com nomes peculiares, como era o caso da boate Angel's Fall, para a qual estavam indo. Segundo as fontes, era a toca de um feiticeiro poderoso, mas Ohana, a quem haviam contratado, era apenas sua aprendiz.
Hunter e Foxes podiam ser muitas coisas negativas, sempre brigaram de mais e um irritava ao outro de forma constante, porém, eram parceiros de caça há tanto tempo que até seus movimentos ao andar eram parecidos. Com um olhar, eles conseguiam trocar informações que talvez uma pessoa com dez palavras nunca conseguisse expressar da mesma forma. Não se gostavam muito, mas se precisavam mutuamente e ambos sabiam disso. Ainda assim, não era como se não tivessem bons momentos juntos, as vezes, em momentos mais descontraídos, até poderiam se considerar amigos ou, ao menos, colegas.
- Já está marcada? Nunca se sabe o que podemos encontrar em um lugar como esses... -Hunter perguntou a garota ao seu lado, mas não precisou olhar para ela. Na verdade, os dois estavam focados de mais no caminho e, por mais simples que a missão fosse, atenção nunca era de mais.
- Sim, você? -Mesmo em seus melhores dias, Foxes não era muito comunicativa. Em parte porque, apesar de saber o idioma, não estava totalmente habituada e preferia sua língua nativa, o russo. A outra parte era por falta de vontade, julgava que a comunicação era uma porta para criar laços, coisa que ela não queria.
- Sempre. -O rapaz respondeu de forma decisiva e, após isso, o silêncio reinou outra vez, durando até o final do percurso, quando finalmente chegaram a calçada em frente a boate.
A fila de entrada estava cheia de mundanos, mas os caçadores conseguiram indetificar alguns filhos de lilith entre eles. Hunter teria investigado mais sobre as adequações do estabelecimento às leis da Clave, mas esse não era seu foco. O letreiro em neon vermelho estava empoeirado e tinha algumas letras queimadas, além de parecer ter uma crosta de pó impregnada sobre as lâmpadas. De um modo geral, o lugar tinha um aspecto sujo e mal cuidado.
- E nem é higiênico... - Comentou Foxes, com um certo teor de ironia na voz e virou o rosto para olhar para Hunter.
- Já entramos em espeluncas piores. - Ele respondeu sério, mas tinha um ar de diversão em seu semblante.
Hunter se ocupou em abrir caminho entre as pessoas na fila para que ambos pudessem passar, mas essa não era uma tarefa difícil, porque os dois estavam com símbolos de invisibilidade, sendo assim, os humanos só se afastavam, enquanto as crianças de lilith os olhavam torto.
Assim que se viram dentro do lugar, que não passava de um galpão pobremente decorado, com as tintas das paredes descascando e revelando cores que tivera anteriormente. Apesar da fila que se formava no lado de fora, não estava tão cheio quanto se esperava. A música estava alta e não agradava muito, mas nenhum deles estava ali para se divertir, então isso era irrelevante, assim como as bebidas coloridas que apareciam vez por outra em seu campo de visão não atraiam suas atenções.
Foxes olhou para Hunter, pronta para sugerir que se separasse, mas seu olhar fixo em um ponto indicou que o alvo já tinha sido encontrado. Seguindo a direção do olhar do caçador, ela encontou Ohana, uma garota baixa e magra, com os cabelos de duas cores diferentes que não puderam ser idenrificadas das por conta da mudança das luzes; sentada sobre o balcão com algumas pessoas em volta. Ela ria de forma exagerada, evidenciando seus dentes pontudos e serrilhados, a única prova visual de que ela era uma feiticeira.
Juntos, os dois caminharam na direção dela e, quando perceberam o que estava acontecendo, os outros feiticeiros à sua volta foram cessando seus risos e abrindo espaço para que os jovens passassem. Aos poucos, foram se dispersando e, no ponto inicial, só sobraram a feiticeira aprendiz e os dois caçadores, cujas feições sérias os faziam parecer muito mais velhos e autoritários do que realmente eram.
-Quanto tempo, não é, Feiticeira? - O rapaz perguntou a garota sentada sobre o balcão com notas de ironia na voz. Por baixo do cheiro de suor e bebida, ele conseguia sentir o de enxofre, provavelmente proveniente de presenças demoníacas ou do uso de magia, e o de icor, provavelmente de uns dias atrás.
Se fazendo de desentendida, Ohana terminou de beber o líquido em seu copo, que parecia ser verde naquela luz, com tranquilidade, fitando os recém-chegados enquanto o fazia. Porém, por instinto, a garota desviou o olhar, passando a fitar o salão a sua frente como se estivesse a procura de algo.
-Olá, caçador. -Ela falou com um leve aceno de cabeça, em sinal de respeito, mas não ousou olhar para eles outra vez.
-Queremos o garoto. -Foxes falou com a voz determinada, quando viu que, se não fosse direta, ficariam ali a noite inteira e não conseguiriam o que queriam.
Por fim, a feiticeira voltou o olhar e o pousou sobre a figura da caçadora. Agora, com uma leve onda de coragem, seu rosto expressava o mais profundo tédio. Para provocar a paciência de ambos, ela olhou dentro de seus bolsos, como se estivesse procurando alguma coisa. Logo após, fez o mesmo com as suas meias, puxou a gola da blusa e olhou para o seu próprio corpo, passou as mãos pelos bolsos das calças e, com um beicinho de falsa decepção, disse:
Comigo não está, sinto muito. -Ela sorriu de forma sacana, expondo novamente seus dentes estranhos, que não agradavam à visão dos caçadores, que tinham vontade de fazer caretas, não só pela forma dos mesmo, mas pela camada de placa que se formava sobre eles e os amarelava.
Mas sabe com quem e onde. E vai dizer. Nós te pagamos, agora você diz. É assim que funciona. -Hunt fez uma pausa em sua fala, arqueando uma das sobrancelhas de forma desafiadora- Ou está velha demais para lembrar? Não sabia que feiticeiros tinham Alzheimer também.
- Eu não sei do que estão falando. -Respondeu ela, repentinamente séria, mas sua voz continuava desagradável e estridente.
Percebendo que a situação poderia se estender dessa forma por muito tempo se não tomassem medidas drásticas, Foxes pegou uma adaga do cinto de Hunter e passou a brincar com ela, de um jeito ameaçadora e perigosamente perto da feiticeira, que deixou sua postura arrogante para se encolher ante a ameaça subliminar que Fox fazia com os olhos. Porém, ainda assim, ela tinha uma carta na mão e, se não os enganaria, os surpreenderia.
-Pois ele está bem aqui. - A resposta veio depois de quase um minuto inteiro de enrolação, fazendo parecer que só então Ohana havia cedido a pressão.
O que nenhum deles esperava, era o grito que veio após essa revelação. Era feminino, embebido no mais puro desespero, e não tinha vindo de muito longe. Isso chamou a atenção até da feiticeira que, curiosamente, olhou por cima dos ombros dos caçadores para procurar sua fonte. Hunter e Foxes também olharam, mas como ambos tinham um ouvido muito mais apurado, acharam bem antes do que ela. Vendo a situação de perigo, a caçadora sentiu sua marca de agilidade arder, como se estivesse pedindo para ser usada, pedido esse que não foi negado ou reprimido.

The Demaged Souls - Queen of HeartsOnde histórias criam vida. Descubra agora