Capítulo 1 - Desfeliz Aniversário

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Era uma manhã comum para Londres, onde pessoas comuns saiam de suas casas com seus longos casacos para se protegerem do frio e com guarda-chuvas para se protegerem da garoa fina. Apesar de estar no início do verão, o tempo continuava esquisito, mas havia esperança para sua melhora, segundo o noticiário da noite anterior.
Luke, no sétimo andar de um prédio, conseguia ver o movimento da rua, os carros passando, pessoas andando para lá e para cá, o mercado começando a funcionar, tudo iluminado pela luz do sol, que assumia uma cor cinzenta ao passar por entre as nuvens carregadas. Desviando a atenção de tudo aquilo, o garoto focou o olhar sobre o vidro da janela, podendo ver nele refletido seu próprio rosto. Apesar da pouca nitidez, o garoto observou seu queixo formando um "V" aberto com a linha final de sua mandíbula, o músculo do maxilar, levemente proeminente, subir em linha reta para delimitar o espaço de seu rosto. Pôde ver seus lábios, corados pelo frio, com a parte superior um pouco mais fina do que a parte inferior; seus olhos castanhos, nem escuros e nem claros; suas orelhas, que tinham o tamanho ideal para ter uma certa harmonia com suas feições; seus cabelos da mesma cor dos olhos, desgrenhados por ele ter acabado de se levantar da cama.
A conclusão em que ele chegou foi a de que, mesmo completando 18 anos essa manhã, nem ele e nem o mundo lá fora haviam mudado em algum sentido. Não que isso o incomodasse, na verdade, ele estava perfeitamente confortável e tranquilo com aquela situação, porque gostava de não ser notado. Era assim em todos os lugares, sempre preocupado em não chamar a atenção para si. Até na escola ele tinha poucos amigos e duvidava que alguém além deles soubesse de sua existência. Gostava disso porque o trazia um sentimento de liberdade maior, podia fazer o que quisesse e ninguém falaria nada, porque nem teriam visto, ou se tivessem, não teriam dado atenção.
Era uma terça-feira, mas as férias de verão já haviam começado há pouco mais de uma semana, então sabia que provavelmente passaria o dia fora com Eleanor. Lembrando-se dela, ele se virou para o interior do quarto e passou a procura de seu celular com os olhos. O cômodo não era muito grande e tinha móveis simples de madeira escura, combinando com o taco do chão. Tirando a cama, tudo estava organizado e o ambiente estava limpo. Coladas na porta de seu armário, haviam algumas fotos de quando era menor, outras com sua família e umas duas ou três com uma garota ruiva. As paredes eram forradas de pôsteres dos mais variados tipos de filmes e bandas, o único luxo que ele fazia questão.
Quando achou o aparelho, sobre a mesinha de cabeceira, abriu a mensagem enviada pela amiga exatamente a meia noite apenas para sorrir outra vez com as palavras ali escritas. El, como ele costumava chamá-la, não era muito carinhosa na maior parte do tempo, mas sempre fazia algo especial para o seu aniversário. De qualquer forma, ela tinha jeitos peculiares de demonstrar afeto que, após os anos de convivência, ele foi aprendendo.
Com uma respiração mais profunda, Luke deixou o celular sobre a cama e tratou de se vestir, já que não queria passar o dia do aniversário em casa e, por conta da briga com a mãe na noite anterior, queria sair antes que a mesma acordasse.
Sua relação com a mãe não era das melhores, mas estava bem longe de ser da piores. Como seu pai havia os deixado quando o menino ainda era um bebê de colo, não tinha lembranças dele. Nem uma risada, algum traço de seu rosto, uma imagem borrada ou um som abafado. As vezes, Luke se pegava imaginando como ele era, ou o quão diferente as coisas teriam sido se não tivesse morrido tão cedo, mas não era muito de se lamentar, por isso, logo deixava esses pensamentos de lado e se ocupava com coisas mais produtivas. Amália, como se chamava a mãe do rapaz, não tinha fotos do homem com quem passou vários anos de sua vida, na verdade, ela nem se quer gostava de falar nele ou nesse assunto. Alguns anos depois, Amália se casou outra vez com um homem que gostava de Luke, mas nunca conseguiu assumir o papel de pai. Eram mais como amigos, os dois, mas o mais novo não se sentia livre para falar sobre assuntos mais íntimos com o padrasto e seus gostos eram bem diferentes, resultando em conversas curtas e esporádicas.
Depois que a mãe se casou, parou de trabalhar, podendo dar mais atenção ao filho. Mas Luke não gostava muito de ter a exclusividade da atenção da mulher durante a maior parte do dia, por isso, passava muito tempo fora ou trancado no quarto. Nem sempre sozinho, porque sua casa era quase a casa de Eleanor também, de tanto tempo que ela passava lá. Ele não se queixava, a companhia era quase sempre agradável e impedia Amália de ficar perguntando se estava tudo bem de cinco em cinco minutos.

The Demaged Souls - Queen of HeartsOnde histórias criam vida. Descubra agora