O Homem

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Não estava pronto para aquilo. Pelo menos não da forma como foi.

Quase vinte anos sem nos falarmos e lá estava eu conversando com meu velho amigo: Carl. Devia minha vida aquele homem. Se não fosse por ele estaria morto. Se não fosse aquele homem desfazer de um dos seus sonhos eu não estaria aqui vivendo o meu. E dessa forma não pude lhe dizer não. Jamais poderia lhe dizer não.

Depois de dez anos morando sozinho teria de me acostumar a viver com outra pessoa. Até tentei por um tempo ser dedicado... Definitivamente não nasci para isso. E conforme ficamos velhos e criamos hábitos - que por muitas vezes chegam a ser destrutivos.

Às mulheres que tive na vida nenhuma me aguentou. Confesso não sou um homem fácil. Talvez por nunca ter amado de verdade outro alguém. Contava essa mentira para mim. E pior acreditava nela.

E agora teria de conviver com uma garota de 18 anos vinda daquele mundinho. Não era o que queria nessa altura de minha vida: virar babá de uma pirralha. Não tive filhos justamente por conta disso. Mas era um pedido de Carl e não poderia ignorar.

Respira homem velho! Talvez a garota encontre um rapaz e vai-se embora e te deixe aqui em sua solidão organizada.

A semana que precedeu sua chegada fora uma correria. Nem quando a louca da Tatiana resolveu que moraria aqui comigo, fiz tanto. Casa arrumada e organizada. Banheiro lavado e toalhas trocadas. Roupas de cama de um quarto que nunca foi usado, novas.

Não consigo lembrar a ultima vez que havia comprado um lençol. E lá estava eu escolhendo alguns. Tantas opções e tamanhos e eu querendo apenas um maldito lençol para a menina dormir sem sentir o cheiro do meu cigarro impregnado nele.

O que essa moçada come? Principalmente garotas? Estão sempre de regimes sendo mais finas que uma vareta. O que ela vem fazer aqui mesmo? Dança? Acho que foi isso que Carl mencionou. Deve ser tão magra que nem conseguimos enxergar. Frutas. Esse povo que faz regime come fruta.

Só de colocar tais itens na sacola de papel sentia a necessidade de um bom pedaço de filé sangrando em minha boca. E uma cerveja. Um homem na minha idade já não consegue mais viver sem tomar uma cerveja.

Mas que porra! – preciso tomar cuidado com meu vocabulário – A garota deve estar chegando, e eu aqui comprando essas porcarias de frutas.

Nessas horas agradeço por ter um veículo de duas rodas. Desde garoto quando meu pai ainda podia ser considerado gente gosto dessas maravilhas. Única coisa de bom que aquele infeliz passou para mim.

As paisagens passam rápidos pelo meu campo de visão. Apenas mais uma curva e então diminuo a velocidade. As casas todas iguais da rua em que vivo a mais ou menos uns 16 anos já estão mais que registradas em minha mente. E lá parada em minha calçada estava ela:

Cadê a pirralha? Cadê a garota magricela que eu esperava encontrar? Que porra era aquela?




Não Estávamos Prontos [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora