A Garota

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Não estava pronta para aquilo. Pelo menos não da forma como foi.

Enfim deixei conforto e proteção de casa e estava prestes a me aventurar pelo mundo. Bom, só o fato de deixa uma cidadezinha com 15 mil habitantes do interior e ir para uma capital já podia ser considerado como: aventurar pelo mundo.

Matricula feita. Currículo de aulas na mochila. Frio na barriga. Muito frio na barriga. E como era gostosa aquela sensação de liberdade. Muito melhor que as minhas escapadas no meio da noite com John. Bem mais satisfatório que seus beijos melados. Sem comparação com o nosso sexo robotizado.

John, minha distração desde o primeiro ano de colégio. Até hoje não entendo o motivo de me entregar única e exclusivamente à ele. Nunca me empolgou. Talvez por ser uma completa idiota deixei que isso acontecesse.

O pobre não entendeu o que estava acontecendo até eu embarcar naquele ônibus antigo e cheio de poeira. Meu pai; esse sim entendeu e pude ver em seus olhos o alívio que sentiu ao ver que ao menos uma pessoa daquela família iria viver.

Desde a morte da minha mãe quando eu tinha oito anos, meu pai simplesmente desistiu. Parou no tempo. Ficou lá apenas porque tinha uma filha para cuidar. E quando anunciei que tentaria uma vaga na escola de dança da capital seus olhos tornaram a ganhar vida. Deixaram de ser opacos por um breve instante.

Estava meu pai e John lado a lado me vendo partir. Um com a certeza que sua missão havia sido comprida e outro de que falhara imensamente. Eram duas posturas opostas. Meu pai altivo - tive a impressão de ver um sorriso em seu rosto - enquanto John, cabisbaixo.

Pouco me importava naquele momento como John se sentia. Não iria ser a sua querida esposa que ficaria em casa cuidado dos seus filhos. Só de pensar nisso meu estômago embrulhava. Tempo de pensar em coisas melhores.

Saio agora em direção ao local que viveria de fato. Metrô lotado. Horário complicado; mas estou feliz, muito feliz que nem me importo com o olhar de alguns garotos. Tipos idiotas. Isso existe em todos os lugares, infelizmente. Ouço a minha parada. Desço do carro, subo as escadas quase que correndo queria ver a superfície.

Nada daquele sol, ou verde das árvores. A paisagem agora era cinza. Deus! Como eu amo o cinza! Com o endereço memorizado, sigo em sua direção. Meu pai me fez jurar que guardaria esse endereço na cabeça. "Não pode vacilar nesses lugares. Se perceberem que você não sabe aonde vai te farão mal." - Tá bom pai! Memorizei.

Não mencionei, irei ficar na casa de um amigo de meu pai de infância. Mark havia conseguido deixar aquela "maldita cidade" – palavras usadas por meu pai e não por mim – muito jovem, muito antes até de eu nascer. Não fazia ideia de como esse amigo de meu pai era. A geração deles diferente da nossa não ficava tirando fotos a todo o momento. Guardavam a recordações vividas ali dentro de suas mentes. Acredito que se lembre de bem mais do que nós. Lá estava eu apenas com um nome: Mark Sullivan e o seu endereço devidamente memorizado.

Meus pés caminhavam firmes até que meus olhos avistam o número que sabia de cor. O frio na barriga voltou. Aquele bom. A casa de dois andares não era nada mal. Ficava no meio da quadra. Uma cerca de ferro vazado fazia divisa com a calçada limitando assim o seu espaço. Notava-se que não era uma casa com toque feminino. Toquei a campainha umas duas vezes e nada. Silêncio absoluto. Aquilo me irritou profundamente. Teria meu pai esquecido de avisar o amigo de minha chegada?

Estava prestes a usar meu celular quando um barulho invadiu aquela rua. O ronco do motor era inconfundível. Desci os degraus e voltei para a calçada e foi então que tudo aconteceu. 





Não Estávamos Prontos [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora