Eu olhava para o Quebra Nozes esperando a sua resposta, ele está imóvel e parecia assustado, seus olhos se abriram mais um pouco e ele não acreditava no que eu tinha falado.
Nem eu tinha acreditado na minha coragem de dizer tão na lata o que eu achava que ele é. Imagina se ele não for um Príncipe e o vexame que eu iria passar? Seria do tamanho do Big Ben.
--- Como... --- Ele começou mas sua voz falhou. ---- Como você sabe?
Então é verdade. Diante de mim eu tenho um Príncipe, nunca tinha visto um em carne e osso diante de mim, o máximo foi nos meus livros de contos de fada que me proporcionavam um pouco de aventuras na infância e nas notícias do Príncipe William estampados nos jornais de Londres.
--- Então é verdade... --- sussurei ainda não aceitando que bem na minha frente eu converso com um Príncipe. --- Tirei minhas próprias conclusões.
Ele me olhou surpreso, acho que nunca imaginaria que eu iria descobrir seu segredo algum dia. Mas é como dizem, a mentira tem perna curta, se bem que não é uma mentira, ele só escondeu que é um Príncipe. O ditado deve servir do mesmo jeito.
---- Você que descobriu? Sozinha? ---- assenti com a cabeça com tudo que ele disse. --- Acho que não sou tão bom em esconder minha verdadeira identidade.
Se eu, a rainha da lerdeza, descobriu que ele é um Príncipe, qualquer um poderá descobrir mais cedo ou mais tarde. Só será necessário o tempo para todos saibam.
---- Não mesmo. --- dei risada, mas ele não riu comigo e muito pelo contrário, ele ficou quieto e estava preocupado.
Ouvi um uivo estridente perto da árvore onde estamos. Estremeci e o Eric me puxou mais para perto dele me abraçando. Seus braços de madeira são frios, mas mesmo assim me passaram um pouco de conforto, e é o que realmente estava precisando naquele momento.
--- Por favor, não conte a ninguém. --- Eric suplicou. Encostei minha cabeça no seu ombro de madeira, tentando encontrar uma posição menos desconfortável.
--- Qual o problema em deixar as pessoas saberem que você é o Príncipe? --- perguntei enquanto olhava para a paisagem na minha frente.
---- Você viu como eles falaram do Príncipe Eric, de mim? --- eles disseram que o Eric não fez sua obrigação, e jogaram a pouca dignidade dele na lama. ---- Seria horrível se descobrirem quem eu sou.
Por esse lado eu até o entendo, mas uma hora todo mundo irá saber quem ele de fato é. Ele só está adiando o inevitável.
--- Entendi... Se você quiser eu não vou falar nada. --- dei um meio sorriso para o Eric. Seu segredo estaria trancado com sete chaves no meu coração. --- Você tentou derrotar o Rei Camundongo? --- perguntei me lembrando da conversa com o Rasha.
--- É claro que sim, mas ele tinha magia negra e me reduziu a um simples Quebra Nozes. --- Ele suspirou. --- E ainda espalhou um boato de que não tinha feito nada para o impedir.
Minha raiva por esse camundongo só crescia, ele está oficialmente na minha lista negra.
Agora eu entendo o porque de ele querer procurar a tal da Princesa Caramelo, ela é a sua única esperança de conquistar seu Reino. Eric nem se preocupa em saber se ela é real ou não, nada importa a não ser que seja a fé que ele carrega por essa Princesa que mora sei-lá-aonde no lugar mais afastado de tudo e todos.
Um silêncio se formou entre nós e ficamos observando a neve que não é gelada cair no chão lentamente em cima das folhas secas. Quem diria que eu estaria conversando com meu Quebra Nozes sem parecer uma louca. Acho que depois que esse sonho acabar eu vou pro manicômio, decididamente sou louca.
--- Não está com sono? --- Ele me perguntou e fiz que não com a cabeça, eu só estava com enxaqueca e meus músculos doendo. Nada que um remédio... Ah, é verdade, por aqui não tem remédios.
Olha o lugar em que eu vim parar, nem há assistência médica eficiente, e nem nos sonhos me vejo livre de enxaquecas. Com meus polegares fiz movimentos circulares nas têmporas, que é onde mais doía.
Estamos perto demais, ele ainda me tinha praticamente em seus braços e eu nunca havia deixado ninguém fazer isso comigo, nem na "vida real". Isso é tão estranho e tão certo ao mesmo tempo, me sentia dividida entre ficar tão perto dele ou a possibilidade de sair correndo dos seus braços.
O rosto do Eric chegava cada vez mais perto do meu, eu conseguia sentir seu cheiro amadeirado se misturando com a hortelã das árvores. Eu sabia o que estava preste a acontecer, ele iria me beijar. Nossa aproximação é evidente e minha respiração acelerada, mas virei meu rosto antes de se encontrarem. Hoje isso não poderia acontecer, na verdade nunca seria possível, ele é um Príncipe e eu uma simples "plebeia", ele não existe, eu mal o conheço e não seria correto.
São mais contras do que prós.
Seu descontentamento poderia ser visto por um cego, seus braços já não estavam envolta de mim e sua expressão se tornou vazia. Porém, o que eu poderia fazer? Mal o conheço e ele já quer me beijar. Que tipo de Príncipe é esse? Com certeza não é nada do estilo clássico dos livros infantis que salvam as donzelas do perigo
--- Acho que vou pelo menos me deitar. Hoje foi exaustivo... --- Disse sem jeito enquanto fazia minhas pernas levantarem de onde eu estou. Queria sair o mais depressa daquela árvore, queria sair o mais depressa dele.
Eu ainda me pergunto o que tinha acontecido a alguns minutos atrás. Pense pelo lado positivo, amanhã não estaria tudo estranho para nós e iríamos continuar sendo amigos.
--- Concordo plenamente. Boa noite Clara, tenha bons sonhos... --- Eric se despediu de mim e continuou sentado no galho da árvore, ele falou tão distante, podemos estar a menos de dois metros um do outro mas eu sentia que tem um precipício de 300 quilômetros de distância entre nós. --- Amanhã vamos partir para o Bosque das Fadas.
Hoje foi um dia intenso, descobri que meu Quebra Nozes esconde um segredo de todos, um Príncipe que perdeu seu Reino Açucarado para o Rei Camundongo. Eric tem vergonha de contar à população o que tinha acontecido naquele dia, mas uma hora todos teriam que saber. Além de tudo isso, Eric queria me beijar... Tinha como isso ficar mais estranho?
Acho que não. Ainda bem que é um sonho, isso vai acabar a qualquer minuto quando meu relógio despertar.
Fiz meu caminho até o quarto e quando cheguei só estava iluminado com uma vela vermelha, como todo o resto da casa. Apaguei a luz com um sopro e fui me deitar. Pelo menos dentro da casa na árvore não estava tão frio como lá fora.
Apertei o meu colar com o pingente de floco de neve no meu peito. Esse é o único objeto, de acordo com o passarinho irritante, que me levaria para casa se eu o abrisse.
A ideia de abrir esse pingente nunca se tornou tão interessante naquele momento. Se eu abrir eu volto para casa e deixo tudo este lugar cheio de emoções para viver a minha vida sem graça de sempre? Eu tinha que ficar aqui mais um pouco antes de voltar e aproveitar a sensação de descobrir esse lugar novo.
É igual aqueles sonhos que você não quer que acaba, quando acorda tentamos dormir novamente para voltar ao sonho mais uma vez. As vezes conseguimos, outras não. A melhor opção é deixar tudo correr naturalmente, porém não vou sair daqui até que encontre a Princesa Caramelo, não vou sair no primeiro sinal de medo.
Iria ser corajosa.
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Quebra Nozes
FantasiUm clássico conto de Natal adaptado para o século 21. Mesmo Natal, mesmas pessoas, por que aquele ano seria diferente para Clara que sempre tem as mesmas expetativas e monotonia dos outros anos? Talvez porque seu tio a iria visitar. É aí que avent...