CAPÍTULO 3

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2002

O mesmo motivo fazia com que as pessoas se aproximassem ou se afastassem de mim, a pena. Algumas eram egoístas demais para ficarem próximas de uma cadeirante, e outras se achavam boas demais para não serem minhas amigas, afinal, que pessoa boa não tentaria melhorar, com a sua amizade, a vida de uma pessoa que não podia andar?

Apesar de todos os meus protestos, meus pais, juntamente com a Doutora Laura, acharam que já estava na hora de eu voltar a conviver com a sociedade, e voltar para a minha antiga escola foi o melhor jeito que eles encontraram de piorar a minha vida. Foi praticamente um complô, onde eu era o elo mais fraco e completamente sozinho, então duas semanas depois lá estava eu, aproveitando de todas as adaptações que foram feitas para me recepcionar. A atenção sobre mim era elevada, por parte de funcionários, professores, colegas, todos achavam que eram meus amigos agora que eu estava presa a uma cadeira de rodas, não havia muitos lugares para onde eu pudesse fugir antes que o meu próximo pseudo-amigo me encontrasse, isso me irritava profundamente, mas com o tempo fui me acostumando a ser o foco da atenção, e fui começando a usar isso a meu favor.

Fui construindo relacionamentos completamente superficiais, onde eles fingiam que eram legais e eu era beneficiada de diversas formas, porque ninguém jamais seria capaz de dizer não para uma pessoa como eu. Continuei me dedicando aos estudos, e as tarefas extracurriculares; Aos quatorze anos eu era presidente do grêmio estudantil do colégio, editora do jornal mensal, e vice-presidente do comitê de eventos. Podia parecer muito, mas eu não me importava, aproveitava o máximo de tempo que podia para me manter longe de casa, o ambiente lá tinha ficado tão depressivo quanto eu. Não existiam mais as saídas de domingo a tarde, ou as reuniões nas datas comemorativas; meus pais praticamente não se falavam, e achavam que eu não percebia que meu pai passava a maioria das noites no quarto de hospedes. Nos dias livres eu tinha fazia aulas particulares de inglês, além das consultas semanais com a Doutora Laura, todos pareciam ter desistido de se meter na minha vida, com exceção dela, que insistia em ser particularmente irritante, eu havia implorado para que meus pais me trocassem de psicólogo, mas foi completamente inútil.

Eu tinha reunião do jornal naquela tarde, e eu estava me sentindo especialmente bem naquela tarde, até receber aquele telefonema da minha mãe.

— Você só pode estar brincando! – Eu ainda não conseguia acreditar nas palavras que eu tinha acabado de ouvir. — É claro que não vou participar de nenhuma homenagem mãe. – A Companhia de Ballet da qual eu fazia parte antes do acidente estava querendo me oferecer uma homenagem. Homenagem pelo que? Pelos serviços não prestados? Em que planeta aquilo poderia ser uma honra? — Não vou participar, mãe, eu já disse. – Ela era muito insistente quando queria. — Olha mãe, já fazem quatro anos, manda eles esquecerem que eu existo tudo bem? – Até esse momento eu não tinha percebido que não estava sozinha naquele banheiro. — Tudo bem mãe, depois nos falamos! Tchau. – falei antes de desligar o telefone. A garota me encarou por alguns segundos enquanto se dirigia até a pia.

— Você precisa ser uma idiota o tempo todo? – ela disse em um tom baixo. Eu não sabia se ela tinha ou não a intenção de ser ouvida.

— Falou comigo? – perguntei.

— Você é uma idiota com todo mundo o tempo inteiro. Você acha que tem esse direito só porque está em uma cadeira de rodas? – e eu que tinha resposta para tudo, fiquei completamente sem reação. Eu podia jurar que minha boca tinha se aberto involuntariamente tamanho o meu susto com aquelas palavras. Quem ela achava que era para falar comigo daquele jeito? — Bem, não que eu me importe, – ela completou. — é só uma curiosidade mesmo.

— Na verdade, na maior parte do tempo. – eu não pude evitar uma risada escandalosa. E ela riu junto. Eu não sabia se ela ria comigo, ou da minha gargalhada, mas eu não me importava, eu não me lembrava da ultima vez que eu tinha feito aquilo. São esses pequenos detalhes que a gente começa a perder sem se dar conta, momentos que te trazem surpresa, ou pelo menos um momento de alegria; para ser sincera, eu não me lembrava que minha risada poderia ser tão alta.

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