CAPÍTULO 1 - PARTE II

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Mamãe estava chorando. Eu odiava quando ela chorava também. Ver as pessoas chorando me dava vontade de chorar também. Eu queria chamá-la, mas o quarto estava muito claro, eu não conseguia abrir os olhos direito. Eu tentava chamá-la, mas minha voz não saia. "Mamãe", eu tentava dizer, mas minha voz era baixa demais. Abri um dos olhos e pude ver Cecília sentada no sofá. Sorri por um instante. "Ceci", tentei dizer um pouco mais alto. E acho que deu certo.

— Mamãe, a Alice. – pude a ouvir dizer. Meus olhos ainda estavam fechados, mas eu podia sentir que todos tinham se aproximado de mim naquele instante.

— A luz. – me esforcei para dizer. Tia Lídia foi até a janela e fechou a cortina, fazendo com que a claridade diminuísse. Finalmente consegui abrir os olhos. Primeiro um, depois o outro, me acostumando com a claridade que ainda tinha ficado. — Oi. – finalmente disse.

— Oi. – mamãe disse sorrindo, apesar das lágrimas que ainda escorriam pelo rosto dela. Notei uns fios brancos que não estavam ali da ultima vez em que a vi.

— Oi. – repeti.

— Oi. – Cecília disse com um sorriso empolgante. — Estou feliz por você ter acordado, eu estava com muitas saudades. – "Eu também estava", pensei apesar de não ter dito nada. Sorri.

— Mamãe, preciso ir para a apresentação. – Ela começou a chorar mais uma vez, com a cabeça no ombro do papai.

— Bom... – Cecília disse mais uma vez, — acho que você dormiu demais. – ela disse com um sorriso.

— Por que vocês não me acordaram? Vocês sabiam que eu precisava ir. – insisti. Eu estava irritada. Não gostava de ser grosseira, mas elas sabiam como aquilo era importante para mim, todos eles sabiam... como puderam me deixar dormir demais?

— Oi Alice. – ouvi uma voz estranha dizer. Todos se afastaram. Olhei para o estranho, porém bonito, homem a minha frente. Com um jaleco branco por cima da roupa social. — Você sabe onde está? – ele perguntou enquanto me examinava. Balancei a cabeça negativamente, eu não tinha percebido até aquele momento que aquele não era o meu quarto.

— Mamãe. – falei com dificuldade. – ela segurou minha mão. Cecília segurou a outra, olhei para ela e sorri.

— Alice, eu sou o Doutor Luis. Você sofreu um acidente. – ele olhou para minha mãe antes de continuar. Ela apertou minha mão ainda mais forte. Alguns flashes surgiram na minha cabeça. Cecília e Tia Lídia do outro lado da rua, o sol iluminando os cabelos loiros da minha melhor amiga. Meu sorriso ao vê-la. O vento batendo no meu rosto enquanto eu corria até elas. O impacto sobre o meu corpo. O calor do chão. O cansaço que me abateu de repente. A voz apavorada da minha mãe chamando pelo meu nome. O pneu gritando enquanto o carro se afastava. A pequena mão de Cecília sobre o meu rosto, antes de eu dormir. — O acidente causou uma lesão na sua coluna vertical, você sabe o que é isso? – Eu o ignorei completamente. — Você está no hospital, onde estamos cuidado de você. – Ele ainda estava falando? Eu não tinha me dado conta. Virei-me para ele mais uma vez.

— Eu preciso ir para casa. Preciso voltar para os ensaios. – minha mãe chorou ainda mais. Eu não entendia o que estava acontecendo.

— Você ainda precisa descansar Alice! E precisa ficar aqui por mais um tempo, onde estamos cuidando de você.

— Mas eu estou bem. – tentei me posicionar para levantar. Foi nesse instante que me dei conta de que eu não conseguia sentir minhas pernas. — O que está acontecendo? – perguntei assustada.

— Como eu estava dizendo, – Ele voltou a dizer. Mas eu não estava falando com ele, eu queria que ele saísse dali. — você sofreu um acidente, e foi bastante grave. Tivemos que fazer uma cirurgia.

— Por que eu não sinto minhas pernas?

— O impacto foi muito forte na sua coluna. – ele continuou.

— Vocês tem que consertar isso! – olhei desesperada para minha mãe. Ela não conseguia olhar meus olhos. — Você não contou a ele que eu sou bailarina?

— Alice, queria que fosse tão fácil assim, mas não é. – ele tentou argumentar. — Estamos fazendo tudo o que podemos para você ter uma recuperação total, mas nada na medicina são certezas. Precisamos de empenho e dedicação. – Ele continuou falando, mas eu parei de ouvir. O que ele estava querendo dizer? Quanto tempo eu ia ficar daquele jeito? Quando eu poderia voltar a dançar? Afastei minhas mãos que ainda estavam presas a minha mãe e a Cecília. Como elas podiam ter deixado que isso acontecesse?

— Quanto tempo? – Falei gastando todas as forças que ainda me restavam.

— Não podemos dizer ao certo. – ele se defendeu. — Estamos fazendo tudo o que podemos, mas ainda não temos certeza de quanto tempo vai demorar, ou se você vai voltar a ter movimento total nas suas pernas.

— Sai daqui. – falei enquanto lágrimas incontroláveis caiam pelo meu rosto.

— Alice. – minha mãe me repreendeu.

— Por favor, eu quero ficar sozinha. Vocês podem sair daqui? Por favor. –implorei.

— Se você precisar de alguma coisa pode me chamar. – o jovem disse antes de sair. Pensando bem, ele era jovem demais para ser médico. Ele devia estar errado, ele precisava estar errado.

Um por um, todos saíram, com exceção do meu pai. Eu me sentia no meio do meu pior pesadelo. Aquilo não podia estar acontecendo de verdade. Fechei os olhos, com o intuito de abri-los e acordar na minha cama mais uma vez, naquela manhã em que eu tinha dormido poucas horas.

— Vai ficar tudo bem. – ele disse se aproximando de mim.

— Mas como papai? – eu chorava sem parar. — Ele nem sabe se eles vão conseguir me consertar.

— Ei. – ele se deitou ao meu lado e me puxou para perto dele. — Você não precisa ser consertada. – ele me repreendeu, enquanto acariciava meu cabelo. — Você continua perfeita como sempre foi.

— Perfeita papai? Perfeita como? E se eu nunca mais puder dançar? O que eu vou fazer pelo resto da minha vida?

— Você não acha que é muito pequena para pensar no resto da sua vida? – ele insistiu. Dei de ombros.

— Talvez eu seja, mas eu sempre quis ser uma bailarina. O que eu faço agora?

— Não se preocupe, minha menina. Vai ficar tudo bem. – Eu sabia que ele estava mentindo, e no fundo ele também sabia que estava me contando uma mentira, mas acho que devia ser mais fácil do que pensar na alternativa.

Você já desejou voltar no tempo e alterar algum acontecimento? Se tivessem inventado uma máquina do tempo e eu pudesse voltar a qualquer instante eu voltaria naquele momento, quando corri pela rua sem olhar para os lados. Eu as teria esperado na calçada. Teria esperado por minha mãe. Ou qualquer outra coisa que impedisse que aquele acidente acontecesse. Esse foi o momento decisivo da minha vida. O momento onde tudo o que eu tinha planejado, foi por água abaixo.

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