CAPÍTULO 1 - PARTE I

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1998

Eu mal tinha conseguido dormir aquela noite. Estava ansiosa demais e não conseguia manter meus olhos fechados por muito tempo, apesar de o meu corpo estar exausto por ter ensaiado por tantos dias seguidos. Eu não me importava, aquilo era o que eu queria fazer pelo resto da minha vida. E que outra criança de dez anos tinha a sorte de ter a certeza do que queria fazer para o resto da vida?

Meus pais e eu tínhamos nos mudado para o Rio de Janeiro quando perceberam que o meu talento era grande demais para a cidade pequena onde morávamos. "Prodígio" era o que eles diziam desde que eu tinha quatro anos de idade, e eu sabia que era algo importante, apesar de ter demorado a entender o que aquela palavra realmente significava.

Meu pai não teve problema nenhum em mudar de cidade, já que tinha uma posição importante na empresa que ele trabalhava, e mamãe já se dedicava integralmente a mim desde que eu tinha dois anos; ela tinha tentado voltar a trabalhar quando eu ainda era bebê, mas logo depois os dois decidiram que ela se dedicaria totalmente a mim.

Eu estava tão feliz naquela manhã que, quando fecho os olhos com força, ainda consigo me lembrar das borboletas que tomavam conta do meu estômago. No dia seguinte seria a minha primeira apresentação junto a Companhia de Ballet na qual eu estava participando e minha tia e minha prima estavam chegando para participar daquele momento tão especial na minha vida.

Eu mal podia esperar para ver Cecília de novo. Ela era dois anos mais velha que eu, e além de primas, nós éramos melhores amigas, desde a primeira vez que eu me lembro de ter uma amiga. Era ela que me defendia na escola quando alguém dizia que eu era alta demais para a minha idade, ou magra demais para a minha altura. Era ela que acompanhava as minhas aulas, mesmo que ela não gostasse tanto assim delas, eu sabia que ela as frequentava só para me dar apoio. Estar longe dela era a única parte ruim em termos nos mudado.

Eu adorava aquela cidade, as praias, os parques, o sol escaldante, e principalmente, a chance que eu tinha de realizar o meu maior sonho: ser uma grande bailarina.

Eu pude ver o carro delas estacionando do outro lado da rua, pela porta de vidro transparente que separava a sala da varanda de nosso apartamento.

— Mamãe, elas chegaram. – eu gritei. Mas não esperei por ela para descer, eu estava ansiosa demais para dar um abraço na minha melhor amiga.

Desci os dois lances de escada correndo sem parar, eu sabia que não podia usar o elevador sozinha. As avistei do outro lado da rua, tirando as malas do carro e colocando na calçada em frente à praia - eu mal podia esperar para levar Cecília à praia. Apertei o botão que abria o portão, e sem pensar duas vezes eu atravessei a rua. Não passou nada pela minha cabeça, absolutamente nada, afinal eu era uma criança de dez anos, muitas coisas não passavam pela minha cabeça.

"ALICE!" – ouvi minha mãe gritar atrás de mim, mas já era tarde demais. Quando virei senti o material quente do carro batendo no meu corpo. Caí. Olhei para frente e vi os olhos de Cecília me olhando assustados. Ela estava chorando, eu não gostava quando ela chorava. Tudo ficou preto. Tentei abrir os olhos mais uma vez, mas eu não consegui. Ouvi as vozes familiares me chamando, tentei mais uma vez olhar para elas, mas eu estava cansada, devem ter sido as aulas de balé, ou a noite mal dormida. "ALICE" pude ouvir ainda mais alto, era Cecília. Mas estava cansada demais para abrir os olhos. "Desculpa", pensei antes de tudo ficar preto de vez.


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