Era um tempo em que tv era uma coisa só para os mais abastados, ali pelos idos de 1967. O menino ficava assistindo desenhos do Mikey e Papa-léguas em frente a uma loja que concertava tvs e tinha algumas tvs ligadas a mostra nas virtines. Era o tempo da TV preto e branco ainda. Seus irmãos o levavam com a permissão da mãe para sentarem-se na porta da loja e ficarem ali assistindo os desenhos.
Dona Rosalina também tinha uma TV. Era mulher, aleijada e pobre, mas havia conseguido comprar uma TV com o que ganhava em sua barraca de feira vendendo roupas infantis. Á noite, todo mundo da vizinhança ia lá na dona Rosalina para assistir "irmãos coragem", a novela da TV globo. Ficava a casa apinhada de gente até o fim da novela. Dona Rosalina tinha duas filhas e um filho deficiente. Tinha a Dirce, a Dulce e o Alexandre. Foi na casa dela que o menino aprendeu a detestar sopa de mandioquinha. Ele via a Dona Rosalina dar a tal sopa para o menino e ele babava muito para comer e fazia a maior sujeira porque só mexia a cabeça. O cheiro da mandioquinha virou algo repugnante para o menino e ele nunca mais quis comer sopa desta raiz. A Dulce era meio dada a fazer coisas com os meninos num porão vazio que havia ao lado da casa do menino. Ela se enfurnava lá enquanto os meninos faziam todos os tipos de pergunta para ela e ela ia respondendo. A maioria das perguntas eram sobre sexo. Na verdade, os meninos maiores queriam fazer besteira com a Dulce, mas o pequeno nunca viu nada disto acontecendo. Mas os meninos pediam para que Dulce deixasse eles colocarem as mãos nos peitos dela e em outros lugares. Ela as vezes deixava só colocar as mãos nos peitos, nada mais que isto. Não foi a toa que a Dulce engravidou logo e foi obrigada a casar cedo, deixando a Rosalina, a Dirce e o Alexandre morando sozinhos sem ela.
Na casa do menino tinha rádio. Sua mãe gostava de ouvir o programa "Moraes Sarmento" Que tinha muitas musicas antigas do Vicente Celestino, do Carlos Galhardo e de vários cantores das antigas que o menino não gostava muito. Ele gostava mesmo era de Caetano Veloso, Beatles, Vanderley Cardoso, Nelson Ned, Evaldo Braga, Jair Rodrigues e outros cantores da época.
O menino as vezes mijava na cama. Ficava desesperado porque sabia que iria apanhar do pai. Uma vez, pela manhã, desesperado e mijado, perguntou ao irmão o que fazer para não apanhar.
--Suba na escada e fique ali no sol até que sua roupa seque e torça pro pai não sentir o cheiro que vai ficar.
A mãe logo que percebeu chamou o menino e o trocou para evitar que seu pai o espancasse por estar mijado.
Uma das casas de aluguel vizinhas a que o menino morava esvaziou-se um dia. A porta ficou entre-aberta. Ele, ao passar por ali, depois de brincar de colocar a mão na lataria dos ônibus enquanto passavam pela rua Jorge Ward viu que podia entrar na casa. Entrou, fechou a porta só deixando uma frestinha de abertura e ficou no escuro dentro da casa. Numa das paredes se projetavam sombras quando pessoa e veiculos passavam pela rua.
O menino, encantado com o cinema que via na parede, ficou ali no chão, sentado vendo o progredir das sombras e dos acontecimentos naquela tela de cinema. Ficou ali imaginando as histórias que aquelas sombras poderiam lhe contar. É como se tivesse uma TV dentro da casa, só que o som era dos carros que passavam lá fora e as pessoas passavam pela parede mudas ou as vezes ouvia uma ou outra conversa de pessoas passando juntas.
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O Heroi Negro
Non-FictionPelos idos de 1963 nasce um menino em uma família pobre e especial. Especial no sentido de que a mãe e a irmã tinham necessidades especiais. A mãe tinha tido poliomielite e andava com aparelho ortopédico. A irmã, que nasceu depois dele, viria a ser...