Mandy não sabia muito bem o que estava acontecendo. Quer dizer, aquela senhora de peruca havia tentado lhe explicar que seus pais haviam sofrido um acidente e agora estavam com o Papai do Céu. Ela não entendeu porque sua professora do jardim de infância, a Srª Grey, começou a chorar nesse momento. Estar com o Papai do Céu deveria ser uma coisa boa, não?
Depois que a senhora de peruca a buscou na escola, a colocou em um carro escuro e apertou o cinto de segurança ao redor de sua cintura. Antes de entrar no carro, Mandy havia notado o letreiro na pintura no carro, mas eram apenas garranchos. Seu pai reclamava disso o tempo todo. Como uma criança de seis anos ainda não conseguia ler?
A senhora de peruca sentou-se ao lado de Mandy no carro. Ao lado do motorista, um homem engravatado lhe encarava pelo espelho retrovisor. Mandy desviou os olhos e começou a encarar a senhora ao seu lado. Ela usava uma peruca ruiva muito grande pra sua cabeça. Era um pouco engraçado, mas alguma coisa lhe dizia que aquele não era um bom momento para rir.
─Querida – falou a mulher – o vovô ou a vovó moram por aqui? Algum tio ou tia?
Mandy pensou bem. Sua mãe já lhe dissera que seus avós morreram antes dela nascer. Os pais de seu pai eram desconhecidos já que ele havia sido criado num orfanato até seus quinze anos, quando fugiu do lugar. Ambos eram filhos únicos e eles nunca, nem uma vez sequer, foram visitar algum familiar.
Mandy balançou a cabeça.
─Nenhum tio ou tia?
Mandy balançou a cabeça mais uma vez.
─Que tal algum vizinho?
Pensando bem, existia a Sr.ª Harris, a velhinha com quem sua mãe lhe deixava quando precisava ir resolver alguma coisa. Mandy não gostava muito dela porque sua casa sempre cheirava a cigarros e cocô de cachorro. A Sr.ª Harris tinha um poodle velhote e dois chihuahuas barulhentos. A mãe sempre reclamava do quanto eles eram barulhentos durante a noite.
─A Sr.ª Harris é minha vizinha – Mandy falou.
Em poucos minutos, eles estavam parados em frente a casa da Sr.ª Harris. A senhora de peruca desceu do carro acompanhada do homem engravatado. Mandy permaneceu no carro, fazendo companhia ao motorista.
O cinto de segurança estava folgado em sua cintura. Com um pouco de esforço, ela conseguiu virar-se para olhar pela janela traseira. Lá estava sua casa, do mesmo jeitinho que seus pais deixaram antes de leva-la à escola. Mandy queria descer do carro e pedir para ficar em sua casa e esperar seus pais lá mesmo. Em breve o Papai do Céu cansaria da visita deles e eles voltariam para casa.
─Aquela é sua casa?
Mandy olhou para o motorista e assentiu.
─Sim.
Nesse mesmo instante, a senhora de peruca e o homem engravatado entraram no carro. Ela tentou sorrir para Mandy, mas parecia estar triste.
─Agora nós vamos leva-la a um lugar muito especial.
Mandy olhou para a mulher, depois para o homem engravatado e, por fim, para o motorista. Esse último balançava a cabeça do jeito que seu pai fazia ao assistir as tragédias nos noticiários.
─Pobre garota.
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Já se fazia vinte minutos que a senhora de peruca conversava com outra mulher numa sala reservada. Enquanto isso, Mandy esperava sentada no saguão daquele lugar. Ela não sabia muito bem o que era aquele lugar, mas parecia divertido. Tinha muitas crianças correndo para todos os lados e também tinha muitos enfeites de natal, assim como na sua casa.
Seus pais não puderam participar do espetáculo de natal de Mandy naquele dia porque tinham um negócio muito importante para resolver. Embora tenha ficado triste por ter ensaiado por dois meses para aquele dia, ela entendeu. À noite, eles se reuniriam em volta da árvore de natal para trocar os presentes, então estava tudo bem.
Ao lembrar-se disso, abriu sua bolsinha e tirou de dentro dois embrulhos enfeitados. O primeiro era o de sua mãe. Ela decidiu fazer um porta-canetas para sua mãe usar em sua sala. Ela era uma professora, assim como a Srª Grey, que lhe ajudou a produzir os presentes. O segundo era o do seu pai. Com esse ela teve mais dificuldade, mas acabou fazendo um porta-retratos de emborrachados, cheio de flores, corações e docinhos. Ela não sabia se eles iriam gostar, mas estava ansiosa para que recebessem. Por que eles estavam demorando tanto, afinal?
─Oi.
Mandy assustou-se com a voz fantasmagórica de um garoto que surgiu ao seu lado. Por um momento ela pensou que de fato fosse um fantasma, mas seu pai sempre dizia que fantasmas não existiam.
─Oi – Mandy respondeu.
─Eu sou o Julian e tenho oito anos – Disse o menino e só então Mandy percebeu que lhe faltava os dois dentes da frente.
─O que aconteceu com seus dentes?
─Ah – Ele deu de ombros, colocando o dedo sujo no buraco entre seus dentes – George me empurrou do escorregador e eu caí de cara no chão.
─Quem é George?
─Ele mora aqui.
Mandy olhou ao seu redor e percebeu que aquilo não parecia uma casa. Ela só havia entrado no saguão e não conhecia o restante do lugar, mas as paredes eram muito coloridas para ser uma casa.
─Você mora aqui também?
O menino banguela assentiu.
─Desde sempre. Você vai morar aqui?
─Não, só estou esperando meus pais.
Julian franziu as sobrancelhas.
─E onde eles estão?
─Foram visitar o Papai do Céu.
Julian olhou para Mandy como se ela fosse uma maluca. Não entendia o que eles estavam dizendo.
─Você quer dizer que eles morreram?
Mandy balançou a cabeça.
─Não, só foram visita-lo.
─Você sabe que eles não vão voltar, não sabe?
Mandy ficou em silêncio. Na verdade, ela não sabia se voltariam ou não. O Papai do Céu poderia ser um cara legal, mas também tem a questão de que seus pais a amavam. Se não fossem voltar, ao menos poderiam mandar algum amigo do Papai do Céu vir busca-la.
─Bom – Julian disse – nós estamos fazendo cartas para o Papai Noel. Quer vir? Talvez ele seja irmão do Papai do Céu ou alguma coisa do tipo.
Agora que Julian havia falado, Mandy notou que fazia muito sentido. Olhou rapidamente para a sala onde a senhora de peruca estava e se deu conta que talvez ela fosse demorar bastante ali.
Pronta para escrever um pedido de ajuda ao Papai Noel, Mandy segurou a mão de Julian e os dois deixaram a secretaria.
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Está frio lá fora
Cerita PendekMandy tinha apenas seis anos quando chegou ao Orfanato Madre Teresa e conheceu Julian. Agora ele está a apenas um passo de ir à faculdade e este talvez seja seu último natal juntos. Mas dentre todos esses anos, existem muitas histórias de noites de...