Metástase

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As rosas-do-deserto costumam desabrochar em tempos inoportunos para outras flores. A biologia celular e a botânica dariam explicações científicas muito mais bem elaboradas para esse acontecimento, mas resolvi considerar essa única máxima: independente da secura, as rosas-do-deserto desabrocham e banham aquele lugar de cor, mostrando que mesmo em tempos difíceis, surpresas podem aparecer e colorir o que outrora derramava uma tristeza preta-e-branca cheia de repúdio. Contudo, costumo observar algo interessante: algumas dessas rosas florescem em forma de pessoas.

A imponência transmitida em minha forma de andar era algo natural, automático, porém mal percebia eu que os efeitos Taelógicos influenciavam-me de tal forma que cheguei a relaxar os ombros enquanto caminhava de volta para casa. Suor frio, mãos amareladas. Ouso dizer que seria algo próximo aos psicoativos.

A nova dona das minhas preocupações morava numa cidade vizinha, e vinha à capital nos dias letivos, trazida por seu pai ou por uma companhia de ônibus não tão bem falada. Escolher uma escola no centro de outra cidade talvez não tivesse sido uma de suas melhores ideias. Bom, na verdade, talvez tenha sido sim. Era instigante o modo com que levava sua rotina, tão cansativa aos olhos de outros, ainda mais por ter tantas vozes nos nossos ouvidos dizendo "trabalhe menos por mais", "peça de sua casa", "entregamos em toda cidade". O controle remoto de nossas TVs virara o mesmo de nossas vidas, buscando incessantemente por um canal com boa programação e satisfazendo-se com o primeiro que passasse um filme comovente similar a um "faz-de-conta" pessoal. Porcos imundos e preguiçosos! Iludidos.

Covardes.

Estranhei a falta de perguntas em meu aplicativo de mensagens. Geralmente, minhas alunas sempre tinham dúvidas em seus exercícios e procuravam-me naquele período do dia a fim de saná-las. Máscaras mentais: eu sabia muito bem que não estava preocupado com elas, mas sim com ela. Única.

Poxa! Nem uma dúvida? Nem uma perguntinha? Nada? Opa, espere ai! Ouvi soar um bipe, deve ser ela!

Ora, deveras tolo teria me tornado do dia para noite. Acalme-se, rapaz. Alarme falso.

Caríssimos leitores, constato-lhes agora a seguinte informação: pesquisas recentes afirmam que homens levam quase a metade do tempo para se apaixonar comparados às mulheres. Aliás, muito menos da metade.

Comigo não foi diferente, exceto pela minha fissura em inventar histórias de décadas com pessoas que conheci há minutos. Cazuza, eu também adoro um amor inventado (uh uh, yeah yeah!).

Aquela crise de tosse estava me incomodando desde o mês passado, mas por ser algo sazonal, mal me preocupei. Deve ser uma alergia qualquer, pensei. O que me causava uma leve aflição era o fato de - de alguns dias para cá - a tosse vir acompanhada de pigarros machados de sangue.

Meu instinto Semper Viri falou mais alto, não poderia deitar-me sem um "boa noite" vindo dela. Alguns homens poderiam se incomodar com seu jeito - agora novo - de se comportar. Eu realmente sentira um alívio imenso ao saber que ela era uma completa tagarela. Poderia passar o dia inteiro ouvindo sua tímida voz.

Mais um capitulo de nossas vidas chegava ao fim. Aquele momento de descanso seria, para mim, uma breve pausa para repensar atos cometidos que, de certa forma, influenciariam futuramente em minhas considerações e escolhas, tanto de mim para Tae, quando dela para mim. Era a hora do game-over diário.

Capítulo I: Ensaio Sobre ElaOnde histórias criam vida. Descubra agora