Depois das seis

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No edifício fronteiro ao centro comercial, situado numa das zonas caóticas da cidade, caberia toda a população da minúscula Frederick, em Maryland, onde Thomas morava até um mês atrás. Ainda acostumado à paz da pequena cidade, ao voltar do trabalho bastava avistar aquele imenso prédio cinzento e ele já se sentia deprimido.

Junto do confuso visual da região, vinha agregado o barulho do centro comercial. As próprias pessoas que residiam nas imediações, ou que simplesmente por elas transitavam, davam impressão de imenso barulho. A cidade, ali, se acabava.

Os inquilinos que Thomas encontrava no hall de entrada, corredores ou elevadores, eram como que habitantes de um mundo estranho. Gente mal-encarada, machucada pelo trabalho rude e revoltada pela falta de dinheiro. Mesmo as mulheres eram assim.

Jack, o irmão com quem Thomas vivia, era o única morador de bom aspecto do edifício. Não entendia por que um cara tão bem vestido e propenso ao luxo residia ali. Aliás os dois não se davam bem. Jack, vinte e cinco anos de idade, sete a mais que Thomas, opusera-se à ida do mano à capital, mesmo tendo o rapaz emprego garantido. Por correspondência conseguira um numa firma de representações.

Ao ver o caçula chegar, Jack fora logo dizendo:

"Não espere que eu vá ser seu babá, sou muito ocupado. Vire-se."

Thomas tratara pois de cuidar da própria vida. Tinha começado no trabalho e todos os dias chegava pouco depois das seis. Nessa tarde não foi diferente.

Depois de alguns minutos de fila Thomas entrou no elevador. A lotação sempre esgotava. O pior, contudo, vinha depois, ao ter de percorrer o corredor estreito e escuro do andar onde já houvera até assassinatos. Era como circular pelos porões de um castelo medieval, à espera de que um vampiro, algum Drácula, de capa preta, viesse cravar os dentes em sua carótida. Uf!

Girou a chave do apartamento.
O que era aquilo?
O que havia acontecido.

Parou à porta, as pernas bombas. Entrava ou recuava? Tudo revirado e espalhado pelo chao: gavetas e seu conteúdo, peças de roupa, livros, almofadas, o divã tombado e um abajur pisoteado, aos pedaços. O televisor fora jogado no assoalho. Entrou é abriu a porta do quarto. Mais desordem. A roupa das camas formavam uma trouxa bo canto. Os colchões fora de lugar. Os dois criados-mudos sem as gavetas. As cortinas arrancadas. Na cozinha, ao lado, a geladeira aberta e suas prateleiras soltas. Até o compartimento de verduras fora vasculhado. Por fim dirigiu-se ao banheiro onde o armário embutido, com sua porta escancarada, mostrava que alguém o revirara.

Thomas voltou à sala e atordoado, suando, largou-se na única poltrona deixada de pé.

Ladrões... Mas que ladrões eram aqueles que pelo menos aparentemente não haviam levado nada? Já ouvira falar de roubo de televisores no edifício. O de Jack, porém, estava lá, bem como o aparelho de som. Por que não roubaram as boas roupas do mano? Estariam apenas interessados em jóias e euros num edifício cujo os inquilinos provavelmente nunca tinham visto a cor da moeda estrangeira? No entanto o rebuliço indicava que estiveram no apartamento à procura de alguma coisa. Mas o quê?

Pensou em comunicar-se com o irmão. Mas nem sabia onde Jack trabalhava. Ele mencionara uma agência de turismo e só. Na verdade ignorava até o que o irmão fazia na tal agência. Teria de continuar a sua espera. Porém o mano voltava invariavelmente tarde, às vezes até no dia seguinte. Deveria, pra ganhar tempo, ligar à polícia?

O trim-trim do telefone.

Thomas assustou-se. O telefone nunca tocava naquele apartamento. Não tinha amigos na cidade e era ele quem ligava à mãe, em Frederick, uma vez por semana. Quanto ao irmão, recebia raros chamados.

Uma voz feminina apressada e rouca.

"É o Thomas?"

Que mulher o conhecia na cidade?

"Sim. Quer falar com o Jack?"

"Com você mesmo. Sei que ele não está"

"Sabe?"

"Você está bem?" A dona da voz perguntou.

"Estou aflito. Aconteceu uma coisa aqui"

"Aconteceu o quê? Diga depressa. Estou num orelhão" foi dizendo a voz, nervosamente.

"Alguém revirou o apartamento todo"

Uma breve pausa e uma pergunta anciosa:

"Você não avisou à polícia, avisou?"

"Ainda não"

"Não avise" implorou ela "O que deve fazer é sair daí agora mesmo"

"Sair? Não posso, preciso esperar por Jack"

"Ele não vai voltar"

"Não? Quem lhe disse?"

"Eu sei"

"Mas não tenho pra onde ir"

"Podemos nos encontrar. Esteja o mais rápido possível na estação de metrô do Brooklyn. Sabe onde é não?"

"Espere! Como vou reconhecer você?"

Desligaram.

Thomas ficou zonzo. Por que ela dissera: "o que deve fazer é sair daí"? Ladrões nunca retornam após uma tentativa malograda. E por que Jack não voltaria ao apartamento? Também não entendia como a moça marcará o encontro com um desconhecido sem fornecer ou inda f ar sobre dados pessoais. Somente indo ao metrô obteria respostas a tais perguntas.

Já se dispunha a sair quando o telefone tocou outra vez. Atendeu, porém, alertado por uma súbita intuição, não disse o número nem alô. Do outro lado não ouviu voz alguma, apenas uma respiração forte e entrecortada. Pareceu-lhe que telefonaram apenas para constatar se alguém retornara ao apartamento. Como não obtivessem resposta cortaram a ligação. A partir desse momento Thomas começou a ter medo, lembrando a quase ordem da moça para que saísse imediatamente.

Fechou a porta do apartamento e correu na escuridão. Tateando a porta do elevador apertou seguidamente o botão de chamada. Teve a impressão de que jamais o elevador demorara tanto. Quando, afinal, parou no 11°, Thomas entrou a roda, atropelando uma mulher, vestida de preto, que segurava possessivamente um crucifixo. Pediu desculpas e cravou os olhos nos números que se iluminavam à medida que o elevador descia.

Thomas apenas se acalmou ao chegar à rua. Enquanto, na calçada, esperava a passagem de um táxi, viu um homem enorme, um imenso gorila, usando óculos escuros de aspecto suspeito, entrando no edifício. Assustado como estava, a imaginação à solta, supôs que fosse aquela pessoa de respiração ofegante que telefonara.

Parou um táxi e pediu ao motorista que o levasse ao Brooklyn. Tentou controlar os nervos, aceitar os fatos. Não conseguiu. Nunca sofrera tal sequência elétrica de emoções. Por que Jack não voltaria ao apartamento? Estaria fugindo de alguém?

Ao chegar à praça, bastante movimentada àquela hora, colocou-se em posição bem visível, de fronte à estação. Muitas mulheres sozinhas ou acompanhadas passavam por ele sem olhá-lo. Esperou cerca de dez minutos e nada. O que deveria fazer se a moça do telefonema não aparecesse? Zanzar pelas ruas, sem destino? Enfrentar o perigo voltando ao apartamento? Ou procurar a polícia apesar de desaconselhado?

Leve, alguém por trás lhe tocou o ombro.

"Me chamo Skye"

12 Horas de TerrorOnde histórias criam vida. Descubra agora