Capítulo sem título 2

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A maioria se desloca pelas rodovias em busca de trabalho na agricultura, construção civil, e em caso de extrema necessidade recorrem à mendicância e ajuda de albergues que neste caso vai depender da organização social que a cidade em que estejam transitando venha a possuir.

Outra parte dos andarilhos é formada por pessoas que já abandonaram todas as perspectivas e sonhos de encontrar trabalho, restabelecer uma família ou ter uma moradia e assim fixar-se em algum lugar. Os andarilhos da atualidade rompem com toda a rede social, abandonam família, trabalho, laços familiares, e assumem o nomadismo como forma de vida.

Todos os seus pertences são transportados em sacolas ou embornal que são colocados nos ombros, levando somente o básico, o essencial, somente roupas usadas, pedaços de plástico para proteção da chuva ou forrar o chão para dormir, uma garrafa de água e quase sempre outra de pinga.

Neste mundo os trecheiros, acabaram criando termos peculiares entre eles, como cascuda que é uma vasilha utilizada para colocar a comida que ganham dos comerciantes, evitando o constrangimento de usarem utensílios dos restaurantes e estabelecimentos, e também a pá que é a colher para comer estes alimentos. Nunca portam objetos de valor ou pessoal como lembrança, pois tudo tem de ser volátil.

Diferente do que ocorre na vida sedentária, a repetição é quase inexistente na vida do trecheiro, é cada dia em um lugar, cada refeição em um local diferente, criando com isso um mundo de surpresas e descobertas. Mas isso implica que não existirá relacionamento interpessoal e terá de se adaptar com isso, mas se adaptando o retorno à realidade fica mais difícil, e a única referencia que ele terá a partir daí será o próprio trecho.

Cada andarilho tem sua história e ela poderá ser vivida e até mesmo escrita durante o caminho percorrido em diversas estradas, cidades, estados atravessando fronteiras internas e estrangeiras, nesse caso, trecho e trecheiro se confundem com a andança, no movimento sem ponto de fixação.

Esta é a história de Dona Célia, um relato de pessoas que conheci nas rodovias federais do Brasil como funcionário público federal no quadro da gloriosa Polícia Rodoviária Federal, mais precisamente no estado de Minas Gerais, onde iniciei meus trabalhos.

Dona Célia é uma junção de pessoas e fatos, andantes, caminhantes, andarilhos, trecheiros que no final são pessoas que formam uma sociedade que está á margem das trocas, á margem da circulação de objetos, ele existe e vive da sombra desta circulação, não tem lugar no mundo real e do consumo, é excluído do sistema, do mesmo sistema que não dá a mínima para eles e eles em contrapartida não dão a mínima para o sistema.

Este trabalho pode servir de denúncia, um alerta, pois nós vivemos em uma sociedade que tem um caráter simbólico das trocas, de valores e de medidas, acabando movimentando a esmo em todos os planos, passando do sedentarismo para o nomadismo sem mesmo perceber que fazem isso.

Uma caminhada sem rumo vivida por pessoas que são lançadas á miséria e a errância por diversos motivos.

Dedico este trabalho a todos os trecheiros que conheci, conversei e que de uma maneira ou outra pude ajudar.




Caminhante das EstradasWhere stories live. Discover now