Aqua

32 4 3
                                    


     Não é possível. Ele arruma os óculos e procura a aeromoça mais próxima, ela está ajudando um casal de idosos a colocar sua mala de não no compartimento de bagagem.
     -Com licença... - a aeromoça vira e encara o rapaz com um sorriso no rosto. - Ahn... Será que pode conferir para mim a poltrona, por favor?
     A aeromoça pega a passagem e confere o número do assento.
     -O seu lugar é aqui, senhor...?
     - Por favor, me chame apenas de Enzo. - Ele responde com um sorriso de canto e um pouco sem graça, depois olha pra mim e revira os olhos. - Obrigado... - Ele lê a plaquinha de identificação da aeromoça - Sally.
     Ela abre um sorriso maior ainda e vai em direção a cabine. Ele guarda a mochila que estava nas suas costas e senta na poltrona do meu lado, mais para o lado de lá para o de cá.
     Volto a olhar para a janela colocando os fones de ouvido de novo. São aproximadamente doze horas de viagem, vai ser bastante cansativo e espero que a bateria do celular aguente até lá, porque esqueci o carregador dentro da mala.
     O avião começa a decolar, logo depois Sally passa todas as instruções de voo. 
     Definitivamente não tem mais volta. Não da para simplesmente o piloto descer o avião porque uma louca está pedindo.
     Não quero ficar pensando muito nisso, por mais que eu esteja determinada a seguir com esse plano, posso acabar me arrependendo de deixar meu pai para trás. Ele sempre esteve lá quando tive todos os meus deslizes, recaídas e loucuras, sempre tentando me concertar e me ajudando a me tornar essa pessoa que sou hoje. De todas as decisões que já tomei, muitas delas terríveis devo dizer, essa foi mais difícil de convencer de que era o certo.
    

     Acordei e olho no celular e vejo que são 22h, se passaram duas horas se viagem. Fiquei me mexendo na poltrona tentando achar uma posição confortável pra dormir, sem sucesso nenhum.
      De repente a minha boca fica seca. Como não vejo nenhuma aeromoça por perto decido ir eu mesma buscar água, olho para o lado e vejo que Enzo está com headphone e dormindo encostado na outra poltrona que está vazia. Por que caralhos ele não pula para a cadeira do lado?
    Tiro o fone, já enrolando e guardando no bolso. Sem pensar duas vezes empurro de leve suas pernas compridas, vendo que ele não acorda empurro um pouco mais forte, o garoto acorda num susto e cai da poltrona. Não consigo me controlar e começo a gargalhar muito alto, alguns passageiros que estão envolta olham para nós e riem comigo, enquanto os demais estão se esticando o máximo para poder ver o que está acontecendo.
     Respiro fundo e pergunto em um tom um pouco falso:
     - Oh Enzo, está tudo bem?
     - Ta tudo ótimo. - Ele responde olhando feio pra mim por alguns segundos e depois tenta se levantar.
     - Aqui, deixa eu te ajudar. -Estico minha mão, com um pouco de hesitação ele aceita a minha ajuda. - Agora de me der licença eu vou tomar água.
     Vou andando devagar até o fundo do avião, me apoiando nas cadeiras. Alguns passageiros estão dormindo, outros conversando ou brigando com seus filhos para que ficassem quietos.
      Isso me lembra de quando eu era pequena e viajava com meus pais. Eu era uma criança que não conseguia parar no mesmo lugar, até hoje sou assim, minha mãe sempre mandando ficar quieta e tentava me prender no cinto, enquanto meu ria e se divertia vendo minha mãe ficar irritada.
     Lembrar disso abriu um pequeno sorriso. Sinto saudades dela, é claro, mas sempre é bom lembrar desses momentos nem que seja pra reconfortar um pouco.
     Chegando no fundo do avião vejo as aeromoças cochichando e dando risadinhas, como três adolescentes, mas assim que elas percebem que estou ali ficam brancas igual papel e retomam a postura com um sorriso falso na cara.
      - Podemos ajudar com alguma coisa? - A aeromoça loira sentada na direita de Sally perguntou.
     - Ãn... Será que podem me dar duas garrafinhas de água por favor? 
     - Claro. 
      Sally levanta e passa por mim, esbarrando no meu ombro. Por um pequeno momento penso em ir atrás dela, o que eu fiz pra essa moça estar assim? Respiro fundo e cerro os punhos, tentando me controlar, fecho os olhos e conto até três.
     - Aqui a suas águas. - A loira me estica as garrafinhas com um sorriso sem mostrar os dentes. - Mais alguma coisa? 
    Balanço a cabeça negativamente pegando as garrafas.
     - Obrigada.
    Quando estava voltando para minha poltrona, vi uma pequena comoção bem ao redor dela. Uma aeromoça estava inclinada no garoto sentado ao meu lado, e parecia tentar acalmá-lo.
    Pigarreei. Dá licença ai ô mulher. Ia me sentar, mas ai olhei de novo para o garoto. Ele estava em um tom verde nada saudável.
A garotinha sentada atrás falava para a mulher sentada ao seu lado, "Mamãe, ele vai vomitar!".
    Mas não ia mesmo. Não do meu lado.
    Antes que Sally possa fazer alguma coisa, Enzo acaba vomitando encima dela. Que nojo. Uma vontade de vomitar começa a tomar conta, respiro fundo, abro uma das garrafa e bebo todo o conteúdo que há dentro dela.
     A aeromoça sai correndo em direção ao banheiro, quase caindo no meio do corredor.
     Chego mais perto de onde está localizada a minha poltrona, as pessoas ao redor tentam não olhar para Enzo. Entendo completamente, o garoto está pálido, com a boca e camiseta toda suja.
      - Ei, Enzo... - chamo me sentando ao seu lado. - Toma um pouquinho.
     Quase sem forças ele abre a garrafa de água e bebe uns dois goles, depois passa a mão na boca para limpar e olha para a camiseta.
     - Achei que isso já tinha passado. - Ele fala baixinho para si mesmo com um tom de voz culpado.
     - Isso não é culpa sua. - O cheiro de vômito incomodava meu nariz, devia vir da sua blusa. - Trouxe uma blusa de frio?
     - O que?
     - Isso mesmo, trouxe blusa de frio?
     - Está de baixo de você. - Ele responde confuso. - Mas pra que você quer...?
     - Tira essa blusa e põe ela.
     Talvez fui um pouco direta demais, mas o cheiro estava ficando insuportável. E não era só eu que achava, a garotinha de trás reclamava toda hora para a mãe, o casal de velhos ao lado tentavam tampar o nariz discretamente.
     Devagar ele tirou a camiseta e me da, depois coloca a blusa de frio. Fico olhando para a camiseta, sem saber o que faço com ela.
     - Moça, coloca ela aqui dentro. -  A garotinha me estica um saquinho descartável. Agradeço com um sorriso fraco.
     Quando volto meu olhar para Enzo, vejo que está começando a ficar com um tom meio esverdeado.
     Essa vai ser uma longa viagem...

x x x
OI GENTOS
Queria pedir desculpas por demorar a postar o segundo capítulo, é que estou andando muito ocupada hehe
Também queria agradecer por terem lido e gostado do último capítulo.
Feliz natal e um ótimo 2016 pra vocês, carneirinhos (atrasada, como sempre)
Vou tentar não demorar tanto para o próximo, mas não prometo nada.
Nós nos vemos na próxima.
Mordidinhas da titia tina.

Don't let me goOnde histórias criam vida. Descubra agora