Marcela

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- O que levou sua amiga a cometer aquela loucura? – Dr. Bernardo me perguntou ao entrar na sala em que os enfermeiros costumam guardar suas coisas.

Costumamos guardar em armários e na sala temos uma mesa, uma geladeira e um micro-ondas. As vezes os médicos a usam por causa disso e não foi surpresa vê-lo entrar lá.

- Ela surtou com o turbilhão de pensamentos que foram gerados com a fusão do fim de relacionamento repentino e álcool. – respondi dando de ombros.

Ele semicerrou os olhos e ficou em silêncio por alguns segundos provavelmente pensando no que responder.

- Ah! Caramba. Então toquei na ferida dela e isso pode ter influenciado os pensamentos. – ele falou pegando um copo e foi em direção a geladeira.

Fiquei confusa até lembrar de Analu contando sobre o estranho que lhe entregou a flor na rua. Era de se esperar que fosse ele mesmo e me senti estúpida por não ter pensado nessa possibilidade. Doutor Bernardo deveria ter trinta e dois anos, não mais que isso, e como conseguiu se formar cedo em medicina já tinha bastante experiência. E essa experiência se resultou numa grande relação com seus pacientes.

Até onde sei ele vem de uma família toda na área da saúde. O pai é neurologista, a mãe é oncologista, o irmão mais velho é ginecologista e a irmã caçula fisioterapeuta.

Por conviver com muitos pacientes de seus pais e assistir a muitas perdas, gostava de trazer felicidade a todos quando fosse possível e isso era explicado toda vez que algum familiar perguntava sobre essas flores que ele entregava.

Normalmente eram flores variadas e rosas especialmente pra mulheres, e no dia da mulher não seria diferente. As cores variavam com o que ele sentia.
Uma vez ele comentou sobre escolher as cores das flores de acordo com seu humor, se fossem amarelas ele estava feliz, se fossem rosas estava tranquilo e se fossem brancas estava bem consigo mesmo, aquele tipo de bem interior que gostaria de dividir o amor próprio com todos.

Por ser novo e solteiro todas as mulheres no hospital sabiam tudo sobre ele e sempre que ele trazia uma cor diferente o hospital inteiro sabia como ele estava.

- Ah! Foi o senhor que lhe entregou a flor mais cedo? - perguntei ao ligar os pontos. Ela realmente estava estranha pela manhã.

- Foi sim. Meu carro quebrou e enquanto esperava o taxi me sentei num banco e ela estava lá. – ele falou levando o copo com água até sua boca.

- Antes que eu viesse ela comentou sobre isso. Estava olhando a flor e fazendo carinho nas pétalas. Não esboçava que estivesse mal ou que pudesse cometer uma loucura como essa.

- Interessante pelo lado médico, mas pesaroso para o lado pessoal dela.

- Nunca entendi o surto que leva pessoas a cometerem esses atos.

- Às vezes nossa mente fica tão lotada de coisas que quando os sentimentos se afloram nós perdemos a razão. Mesmo que ela exista e esteja alí, nem sempre ela consegue ser mais forte. É possível que um ato desse seja repentino, como crises de estresse que paralisam nosso corpo.

- Me preocupo com ela.

- Se preocupe, agora, em ser uma boa companhia para que ela evite esses pensamentos.

- Farei isso. Acho que todas nós que moramos juntas faremos.

- Vocês duas moram juntas?

- Nós três e uma outra amiga.

- Então aproveite e vá liberá-las. Acho que o soro deve ter acabado e já dei alta.

- Muito obrigada, doutor.

Balckout - quando tudo começouOnde histórias criam vida. Descubra agora