Minha debilidade

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POV Elisa

Sabe quando você se senta entre um grupo de amigos que assistiu ao último filme com record de bilheteria e você não? Era assim que eu me senti durante todo o domingo quando Marcos voltou da sua viagem de trabalho e apareceu lá em casa para me ver e paparicar a mamãe com vinhos e chocolates que havia comprado durante a viagem. Ao parecer, tudo havia saído como o planejado, a empresa do pai dele não poderia estar melhor. Assimilei essa parte da conversa que no meu ponto de vista era o mais importante e descartei o resto, fosse o que fosse. Embora eu estivesse sentada ali, com um copo de café na mão sorrindo como uma boneca de porcelana a cada palavra entusiasmada dele, minha cabeça insistia em concentrar-se em algo completamente diferente e doía porque tudo tinha terminado e se alegrava pelo mesmo motivo.

—Elisa? _ A voz preocupada da minha mãe me chutou de volta para a realidade. Ela me encarava com a testa franzida e o copo de café a caminho dos lábios enquanto Marcos me sorria confundido pelo meu comportamento.

— Desculpem _ Tratei de soar o mais sincera possível. — Estou um pouco cansada, não é nada demais.

Tive vontade de gritar que me deixassem em paz, que dentro do meu peito havia uma maldita rebelião e que meu "eu lógico" super estratégico estava perdendo, mas eu não fiz nada disso. Só permaneci em silêncio com aquele sorriso idiota plantado na cara enquanto concordava aqui e ali com o que quer que eles estivessem falando.

*****************

Levei meu copo de café aos lábios enquanto analisava as últimas anotações que tinha feito para entregar ao senhor Muller aquele dia. Avery me observava, mordendo a parte inferior de seu lápis como se eu fosse uma espécie em extinção. Concentrei-me no meu trabalho, conhecia aquele olhar e eu não ia gostar de jogar aquele jogo com ela. Sempre saia perdendo.

— Tão misteriosa! _ Disse abrindo seu próprio caderno e fingindo ler o que quer que tivesse escrito nele. _ Vai me dizer por que de repente está tão inquieta?

— Está enganada. _ Respondi sem tirar os olhos do meu caderno. Avy havia sido minha amiga praticamente desde que me havia mudado a LA com a mamãe. Vivíamos na mesma rua desde que eu tinha 7 anos, quando os pais dela se mudaram de NY para Los Angeles e ela tinha o terrível poder de decifrar cada expressão e comportamento meu. Basicamente ela tinha nascido pra infernizar a minha vida, o que eu tinha deixado muito claro inúmeras vezes. Não que isso a importasse muito.

— Ah eu nunca me engano Li e você sabe disso. Desembucha. _ Não foi um pedido. Suspirei e deixei a caneta cair em cima do caderno a minha frente. Estávamos sentadas em um café tipicamente de bairro ao lado da faculdade. Muitos estudantes costumavam ir ali já que tinham os melhores capuchinhos da cidade a um preço extremamente convidativo. 

—Não quero falar sobre isso Avy... Não há nada para dizer, eu só estou um pouco cansada.

— E isso tem a ver com um certo namorado insosso que você insiste em se convencer que gosta?

— Entre outras coisas. _ Suspirei enquanto desviava os olhos para a janela e acompanhava o vai e vem dos alunos chegando e saindo do prédio da faculdade.

— Li fala sério! Você tem que dar um fim nisso. Você e o Marcos... Simplesmente não rola entende? Por que ficar se enganando quando você sabe muito bem disso? Por que ficar se enganando quando ele sabe muito bem disso?

Sim, ela estava certa. Os dois sabíamos muito bem disso, mas o Marcos era cômodo, estável e não me fazia sentir como se a terceira guerra estivesse começando dentro de mim. Eu gostava disso, nem tudo era mentira na nossa relação. Em certo ponto, entendíamos um ao outro e nos respeitávamos.

Fechei o caderno dando a conversa por finalizada enquanto Avy revirava os olhos fazendo o mesmo. Pagamos a conta e saímos de encontro a uma manhã especialmente fria em direção ao edifício da faculdade quando meu celular vibrou. Vasculhei dentro da minha bolsa enquanto o aparelho seguia vibrando e vibrando até que finalmente encontrei-o e antes mesmo de verificar o nome na tela atendi. Marcos costumava me ligar nesse horário às vezes para marcar de me buscar na saída. Seus planos nunca eram originais, mas geralmente me distraiam um pouco quando eu estava estressada, e é claro que ele havia percebido no dia anterior que algo não ia bem.

Só que não era o Marcos do outro lado da linha.

Meu coração bateu tão forte ao escutar o som da voz dele que eu jurava que tinha sido ouvido na China.

Ridículo.

— Elisa Sommer. _ Quase pude ver o meio sorriso nos lábios dele ao pronunciar meu nome. Concentrei- me em dar um passo depois do outro. Sentia os olhos de Avy cravados em mim.

—Noah?_ minha voz saiu mais instável do que eu gostaria.

— Minha família insiste em agradecer por todo esse tempo em que seu professor carrasco te obrigou a me tolerar. Minha mãe quer te convidar pra jantar, o que você acha?

De repente tudo dentro de mim era uma desordem. Sabia que vê-lo só pioraria as coisas, mas meu coração irracional não estava disposto a deixar essa oportunidade passar. Fracassei notoriamente quando tentei controlar o "sim" que saiu dos meus lábios. Soube disso quando vi a expressão de intriga que tomava conta do rosto de Avy.

— Então... O que você acha de amanhã à noite?

Outro "sim" demasiado ansioso saiu dos meus lábios.

— Então nos vemos às 20hs na minha casa. Não e esqueça, minha mãe odeia esperar.

Permaneci com o celular no ouvido, mesmo segundos depois de ele ter desligado. Não tinha percebido que tinha parado de andar e nem que talvez tivesse desaprendido a respirar com normalidade. Tudo dentro de mim era um alvoroto, como uma bomba prestes a explodir.

— Entre outras coisas hein? _ Avy me lançou um sorriso perspicaz e encarou o celular na minha mão como se ele fosse a resposta a todas as suas perguntas. _ Agora eu entendi.

Nem preciso dizer que não pude concentrar-me em nada do que o senhor Muller dizia sobre minhas últimas anotações.

*****************

Olhei-me no espelho 10 vezes. Não era a fã número um de vestidos, assim que me decidi pela infalível calça jeans com um casaco branco liso, touca e botas negras. Tinha deixado meu cabelo solto, como que para variar um pouco e esse havia sido o único cambio que eu tinha me permitido fazer. A final de contas isso não era um encontro e eu não queria me arrumar como se fosse um.

Deixei a mamãe e ao senhor Dino desfrutando de um programa de culinária na TV e encarei a noite gelada, praguejando enquanto sentia que o vento cortava meus lábios e fazia meus olhos lacrimejarem.

Liguei o som do carro enquanto tomava uma curva estreita e desfrutava do transito livre daquela noite.

Quando parei o carro na frente da casa dos Collins no coração de Bel Air, senti a absurda necessidade de inventar imediatamente uma desculpa e sair correndo dali. Mas então a porta da frente se abriu e vi quando a irmã menor do Noah correu até o jardim para buscar um vaso especialmente lindo com flores de todas as cores que havia ali e vi quando ele parou na porta ainda aberta e seus olhos pousaram nos meus.

Noah Collins era o tipo de cara que poderia usar uma calca jeans desgastada e parecer uma maldita pintura surrealista, raro, singular, irreal.

Perfeito com seus cabelos escuros como aquela mesmíssima noite de inverno, perfeito com sua pele pálida e seus lábios cor de Rubí, perfeito com seus olhos cor de estrelas...

Ele sorriu pra mim como quem pergunta o que eu ainda estava fazendo parada ali.

Desci do carro e caminhei até o portão da casa.

Eu podia lidar com isso. Até hoje havia sido a pessoa mais obstinada que conhecia. Noah Collins não era uma debilidade.

Não podia ser...





Depois do fim (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora