A POBREZA DA PSICOLOGIA (Parte 3)

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A Filosofia do Ratomorfismo


O behaviorismo começou como uma espécie de revolta puritana contra o uso excessivo de métodos introspectivos em algumas antigas escolas de Psicologia que afirmavam, segundo a definição de James, ser a tarefa do psicólogo "a descrição e explicação dos estados de consciência". A consciência, objetou Watson, "não é um conceito que se possa definir ou usar, é simplesmente outro termo para a 'alma' dos tempos antigos. . . Ninguém tocou em tempo algum numa alma ou a viu num tubo de laboratório. A consciência não admite prova e é tão inacessível quanto o velho conceito de alma. . . Os behavioristas chegaram à conclusão de que não podiam mais concordar que o seu trabalho se fizesse com elementos intangíveis e inacessíveis. E decidiram abandonar a Psicologia ou transformá-la numa Ciência Natural. . . "

Esse "programa limpo e novo", como o próprio Watson o classificou, baseava-se na idéia ingênua de que a Psicologia podia ser estudada pelos métodos e conceitos da Física clássica. Watson e os seus continuadores foram bastante explícitos a esse respeito; os esforços que envidaram para realizar o seu programa se transformaram numa operação verdadeiramente procustiana. Mas enquanto o malfeitor lendário se limitava a distender a sua vítima ou a cortar-lhe as pernas para que se adaptasse à cama, o behaviorismo começou por cortar-lhe a cabeça e depois o retalhou em "frações de comportamento em termos de estímulo e resposta". A teoria se fundamenta nos conceitos atomísticos do século passado, que foram abandonados em todos os outros ramos da ciência contemporânea. A hipótese admitida por essa teoria de que todas as atividades do homem, inclusive a linguagem e o pensamento, podem ser analisadas num sistema de unidades elementares E-R, se fundamentaria inicialmente no conceito fisiológico da curva de reflexos. O organismo recém-nascido veio ao mundo armado de um determinado número, de reflexos "incondicionados" simples, e o que aprendeu e fez durante a sua vida foi adquirido por condicionamento pavloviano. Mas esse esquema simplista logo caiu de moda entre os fisiologistas. O maior deles no seu tempo, Sir Charles Sherrington, já escrevia em 1906: "O reflexo simples é provavelmente um conceito puramente abstrato, porque todas as partes do sistema nervoso estão intimamente ligadas entre si, e não é provável que qualquer uma delas seja capaz de reação, sem afetar ou ser afetada por várias outras. . . O reflexo simples é uma ficção conveniente, se não provável."

Mais recentemente, um neurologista de vanguarda, Judson Herrick, resumiu assim a situação:

Durante os últimos cinqüenta anos foi elaborado um ambicioso programa de reflexologia, notadamente por Pavlov e pela escola americana behaviorista. A meta elaborada era reduzir todo comportamento animal e humano a sistemas de reflexos encadeados, de diferentes graus de complexidade. O condicionamento desses reflexos por experiência pessoal foi invocado como sendo o mecanismo da aprendizagem. O reflexo simples era considerado a unidade de comportamento, e todas as outras espécies de comportamento se compreendiam como provocadas pelo encadeamento dessas unidades em modelos sucessivamente mais complexos.

A simplicidade do esquema atrai, mas é ilusória. Em primeiro lugar, o reflexo simples é pura abstração. Não há nada de semelhante em nenhum corpo vivo. E um erro mais grave se evidencia do fato de que todos os dados de que dispomos sobre a Embriologia e o desenvolvimento filogenético do comportamento revelam que os reflexos localizados não são as unidades primárias do comportamento. São adquisições secundárias.

Com o declínio da teoria do reflexo, cessaram de existir os alicerces fisiológicos sobre os quais foi construída a psicologia E-R, mas isso não preocupou muito os behavioristas. Desviaram a sua terminologia dos reflexos condicionados para as respostas condicionadas e continuaram a manipular os seus termos ambíguos, da maneira que vimos, até que as respostas vieram a ser controladas por estímulos futuros, o reforço se transformou numa espécie de flogístico, e os átomos de comportamento se evaporaram nas mãos do psicólogo, exatamente como se tinham evaporado há muito tempo os fragmentos sólidos da matéria nas mãos do físico.

Historicamente, o behaviorismo começou como uma reação contra os excessos das técnicas introspectivas, particularmente utilizadas pelos psicólogos alemães e pela chamada escola de Würzburg. De início, a sua intenção era apenas excluir a consciência, as imagens e outros fenômenos não-públicos, como objetos de estudo, do campo da Psicologia. Mais tarde, porém, isso importou em pretender que os fenômenos excluídos não existiam. Um programa de metodologia, que tinha seus pontos discutíveis, transformou-se numa Filosofia que não tinha ponto algum. Seria como se disséssemos a uma equipe de agrimensores que, para o fim de traçarem o mapa de uma área limitada, poderiam considerar a terra como plana — e depois insinuássemos sutilmente o dogma de que toda a terra é plana.

O behaviorismo é com efeito, uma visão da mente semelhante à ideia da terra plana. Ou, para mudar de metáfora: substitui o erro antropomórfico, que atribuía a animais faculdades e sentimentos humanos, pelo erro oposto, que nega ao homem faculdades que não são encontradas em animais inferiores, substitui a antiga visão antropomórfica do rato pela visão ratomórfica do homem. Deu até novo nome à Psicologia, porque derivava da palavra grega que significa "mente" e passou a chamá-la "ciência do comportamento". Foi um ato ostensivo de autocastração semântica, coerente com as alusões de Skinner à educação como uma "engenharia do comportamento". O objetivo declarado de "predizer e controlar a atividade humana como os físicos controlam e manipulam outros fenômenos naturais" parece tão reprovável quanto ingênuo. Werner Heisenberg, um dos maiores cientistas vivos, disse laconicamente: "A natureza é imprevisível"; parece absurdo negar ao organismo vivo até a dose de imprevisibilidade que o quantum físico concede à natureza inanimada.

O behaviorismo dominou durante o obscurantismo da Psicologia e ainda domina, na década de 1960, as nossas universidades, mas nunca monopolizou o campo. Em primeiro lugar, sempre houve vozes no deserto, na maior parte pertencentes à geração mais velha, que tinha amadurecido antes da grande depuração. Em segundo lugar, houve a Psicologia gestaltista, que em certo momento pareceu ser um concorrente sério do behaviorismo. Mas as grandes esperanças suscitadas pela escola gestaltista só se realizaram parcialmente, e em breve as suas limitações se evidenciaram. Os behavioristas conseguiram incorporar alguns dos seus resultados experimentais e continuaram a dominar. O leitor interessado pode encontrar essa controvérsia esboçada em The Act of Creation, e não há necessidade de retomá-la aqui. Mas o resultado foi uma espécie de Renascença frustrada, seguida de uma Contra-Reforma. Ultimamente, para completar o quadro, há uma geração mais nova de neurofisiologistas e teóricos de comunicação que consideram senil a Psicologia ortodoxa E-R, mas são freqüentemente obrigados a tributar-lhe elogios fingidos, se querem progredir nas suas carreiras acadêmicas ou ter os seus trabalhos publicados nas competentes revistas técnicas, e através desse procedimento ficam em maior ou menor escala contagiados pelas doutrinas da Psicologia da terra plana.

É impossível chegar a um diagnóstico sobre a condição do homem e deduzir daí uma terapia, partindo de uma Psicologia que nega a existência da mente e vive de analogias das espécies, oriundas de experiências feitas com ratos que agem apertando a barra da caixa. O balanço dos cinqüenta anos de Psicologia ratomórfica é comparável, no seu formalismo estéril, ao do escolasticismo no seu período de declínio, quando desceu a contar e discutir o número de anjos existentes, embora isso pareça melhor passatempo do que contar o número de batidas na barra da caixa.



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