Numa ocasião como esta, manifestar a própria opinião é mais do que um dever moral. É um prazer.
Oscar Wilde
O aparecimento da linguagem simbólica, primeiro falada e depois escrita, representa a diferenciação mais sensível entre o animal e o homem. Muitos animais sociáveis têm um sistema de comunicação por sinais e convenções, mas a linguagem é uma propriedade exclusiva do homem, específica da espécie. Até os idiotas "mongolóides", incapazes de cuidar de si próprios da maneira mais simples, podem aprender os rudimentos de uma língua simbólica, mas não o podem os golfinhos, nem os chimpanzés, apesar de muito inteligentes sob outros aspectos. E também não o podem os ratos, nem os pombos.
É natural, portanto, que a linguagem seja um fenômeno cujo estudo revele, mais que qualquer outro, o absurdo da concepção ratomórfica. Além de ensejar essa prova, nos dá oportunidade de apresentar, por meio de contraste, alguns conceitos básicos da nova síntese em elaboração. Esse contraste entre a concepção ortodoxa e a nova pode ser resumido em duas palavras-chave: encadeamento versus árvore.
O Encadeamento
O longo trecho que se segue é representativo da concepção ortodoxa dos behavioristas em relação à linguagem. É tirado de um livro didático para alunos universitários, no qual colaboraram vários professores de respeitáveis universidades americanas. O próprio autor do trecho é presidente de um departamento de Psicologia. Foi publicado em 1961, e o diálogo apresentado é adaptação de um livro de textos mais antigos. Menciono esses pormenores para mostrar que o texto, distribuído a milhares de estudantes, está na mais conspícua tradição acadêmica. Tem o título de "Atividades Complexas" e é a única passagem de todo o manual dedicada à glória da linguagem humana:
Dissemos que a aprendizagem pode ser condicionamento do tipo de resposta (pavloviano clássico) ou do tipo operante (Skinner, Hull)... Mas os dados experimentais que apresentamos nos nossos estudos sobre condicionamento se limitaram a respostas bastante simples como a salivação (nos cães) e a pressão na barra (dos ratos). Na nossa vida cotidiana, raramente perdemos tempo pensando nessas respostas isoladas, mas habitualmente pensamos em atividades mais significativas, como aprender um poema, manter uma palestra, resolver um problema mecânico, aprender a orientar-se numa cidade desconhecida, para citar apenas alguns exemplos. Embora o psicólogo pudesse estudar essas atividades mais complexas, como tem sido feito em certa escala, o procedimento geral da Psicologia é levar para estudo no laboratório respostas mais simples. Descobertos pelo psicólogo os princípios da aprendizagem em relação aos fenômenos simples, em condições ideais de laboratório, tem êle a possibilidade de aplicar esses princípios a atividades mais complexas como as que se verificam na vida diária. Em última análise, os fenômenos mais complexos são apenas uma série de respostas mais simples (sic.). Uma palestra com um amigo é um bom exemplo. Suponhamos uma conversação nestes termos:
Ele: — Que horas são?
Ela: — Doze horas.
Ele: — Obrigado.
Ela: — Não há de quê.
Ele: — E se fôssemos almoçar?
Ela: — Ótimo.
Esta conversa pode ser analisada em unidades E-R distintas. "Ele" provoca a primeira resposta, que é provavelmente emitida pelo estímulo de ver a "Ela". Quando "Ele" emite a resposta operante — Que horas são? — a atividade muscular, naturalmente, produz um som, que também serve de estímulo para "Ela". Ao receber o estímulo, ela própria emite uma resposta operante — doze horas — que por sua vez representa um estímulo para "Ele". E assim por diante.
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O Fantasma da Máquina
DiversosEm seu livro que leva como título a frase de Ryle, "Fantasma na máquina" , Arthur Koestler faz particularmente uma crítica à teoria behaviorista de Burrhus Frederic Skinner. O foco principal do livro é o movimento da humanidade rumo à autodestruição...