A POBREZA DA PSICOLOGIA (Parte 1)

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Durante oito anos ele trabalhara num projeto para extrair raios solares de pepinos, os quais deviam ser guardados em frascos hermeticamente fechados e expostos para aquecer a atmosfera nos verões úmidos e inclementes.

Swift (Voyage to Laputa)


Os Quatro Pilares da Ignorância


O Livro dos Provérbios, capítulo IX, versículo 1, diz que a casa da sabedoria repousa sobre sete pilares, mas infelizmente não nos menciona. A cidadela da ortodoxia, que as ciências da vida construíram na primeira metade do nosso século, repousa em certo número de impressionantes pilares, dos quais alguns começam a mostrar rachaduras e a se revelarem como superstições monumentais. Os quatro, principais, resumidos de maneira simples, são as doutrinas segundo as quais:

a) a evolução biológica é o resultado de mutações ocasionais, preservadas por seleção natural;

b) a evolução mental é o resultado de tentativas ocasionais, preservadas por "reforços" (recompensas);

c) todos os organismos, inclusive o homem, são em essência autômatos passivos, controlados pelo ambiente, e a sua única finalidade na vida é a diminuição das tensões através de reações de adaptação;

d) o único método científico digno desse nome é a medida quantitativa; e, em conseqüência, os fenômenos complexos devem ser reduzidos a elementos simples, suscetíveis de receber esse tratamento, sendo desnecessária a preocupação de que as características específicas de um fenômeno complexo, como o homem por exemplo, se possam perder no processo .

Esses quatro pilares da ignorância aparecerão constantemente nas páginas que se seguem. Constituem o cenário, a paisagem contemporânea, na qual qualquer tentativa de desenhar uma nova imagem do homem aparece apenas como silhueta. Não se pode operar no vácuo; somente partindo do arcabouço de pontos de referência existentes pode-se delinear com clareza um novo desenho, pelo, sistema de comparação e contraste. Este é um ponto bastante importante e desejo fazer aqui uma observação pessoal, para prevenir uma linha de crítica com que, dada a minha experiência do passado, conto como certa.

Se atacamos a escola dominante em Psicologia — como fiz no meu último livro e como farei neste capítulo — temos que enfrentar dois gêneros opostos de crítica. A primeira é a reação natural dos defensores da ortodoxia, que acreditam estarem com a razão, enquanto nós estamos errados, o que é justo e natural. A segunda espécie de crítica situa-se no campo oposto. Argumentam que, como os pilares da cidadela estão mostrando fendas e revelando-se ocos, devemos ignorá-los e prescindir de polêmica. Ou então., para dizê-lo sem rodeios, para que açoitar um cavalo morto?*

Esse tipo de crítica procede freqüentemente de psicólogos que acreditam terem ultrapassado as doutrinas ortodoxas. Mas essa crença é muitas vezes baseada em auto-sugestão, porque o modelo grosseiro da máquina caça-níqueis, nas suas versões modernizadas e mais refinadas, teve sobre eles, e sobre toda a nossa cultura, uma influência maior do que acreditam. Impregnou as nossas atitudes no que tange à Filosofia, à Ciência Social, à Educação, à Psiquiatria. Mesmo a ortodoxia reconhece hoje as limitações e deficiências das experiências de Pavlov; mas, na imaginação das massas, o, cachorro na mesa do laboratório, salivando ao som da campainha, como previsto, tornou-se o paradigma da existência, uma espécie de mito antiprometéico. E a palavra "condicionamento", com as suas rígidas conotações determinísticas, tornou-se a fórmula-chave para explicar por que somos o que somos e para explicar a supressão da responsabilidade moral. Nunca se viu um cavalo morto com um coice tão traiçoeiro.

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