Sabados a noite em dias de jogo eram santas aqui. O ano letivo mal tinha começado, mas a turma do futebol americano iria fazer um jogo amigável com o time de uma escola de uma parte distante do condado de Los Angeles. E por incrível que pareça, minha host-mother me obrigou a ir. Vou explicar do começo.
Minha sexta tinha sido normal. Acordei, tomei um banho, tomei um café, fui para escola, encontrei com as meninas, fiz alguns novos amigos, expliquei que no Brasil não falávamos espanhol, peguei o ônibus, voltei para casa. Mas hoje não era só um dia. Era aquele dia em que você acorda e repara que essa não é a sua cama, e esse não é o seu quarto. Que seus amigos estão a um oceano de distancia e você não estava lá para se divertir com eles e a cada dia eles podem simplesmente estar se esquecendo de você. E mesmo que o contato seja grande, o whatsapp não é olho a olho, você não ri de expressões faciais e não esta lá em tempo real para fazer piadas e rir de coisas bobas. Até mesmo das brigas sinto falta. Mas você se empurra para a vida, mesmo querendo passar seu tempo dormindo ou voltando atrás. E tem uma hora que não dá mais, e esse momento foi a primeira oportunidade que tive para ir ao meu quarto. Então eu não aguentei e desabei. Eu estava tendo a sorte que muitas pessoas não teve, tinha uma host family incrível, fiz amigas logo de cara, estava sendo aceita numa escola, e até melhorando meu inglês para algo entendível, mas nada disso saciava a dor que estava em mim.
Foi no momento de azar que Lisa chegou. Ela não tinha a obrigação de lavar minhas roupas, então ela tinha me ensinado a usar a maquina, e passou para ver se eu tinha mesmo entendido (acho que minhas caretas me entregaram).
- Hey sweet why you crying? - meus olhos estavam um pouco avermelhado ao abrir a porta e eu não sou do tipo boa para esconder emoções.
Então eu contei. Contei como estava me sentindo, como estava sendo difícil.
- Olha, se eu te contar que já senti isso você vai acreditar? Bem, quando eu tinha 17 anos, a sua idade, eu fiz um intercambio para a Suíça. Ah, como aquele lugar me fez feliz. Mas acabou comigo também. Para começar, eu tinha acabado de terminar com meu primeiro namorado, que não era ninguém mais que o Jimmy. Estudar fora foi uma maneira de fugir das dores e também me reencontrar, e meu pai adorou a ideia, afinal, eu o convenci que era uma oportunidade unica de estudo e tudo mais. Mas acabou sendo por partes horrível. Minha host-family era terrível, eu só os via quando me serviam comida, fria por sinal. E eu passava dias trancafiada no quarto chorando, sentindo falta dos meus pais e da minha casa, e até pedi ao meu pai para voltar, mas ele me forçou a ficar. Por fim, quando completou seis messes eu consegui mudar de familia. Lá conheci Dora, minha host-mother que era uma mulher incrível! Eu tinha cinco host-brothers, dois filhos dela e três intercambistas, cada um de um canto do mundo. Foi ai que conheci grandes amigos, e os lugares maravilhosos daquele pais. O que eu quero lhe dizer, é que você não pode desistir assim. Não deixe se abater por as coias que você acha que perdeu, mas se eles são seus amigos eles estarão lá. Sua família te ama. Tudo isso também passa.
Eu fiquei por uns segundos olhando para ela, e pensando no que ela me disse. Aqui na parte norte da América, eles não tem o costume de abraçar as pessoas assim, logo de cara. Mas graças a Deus meu coração é brasileiro. Dei um abraço o mais apertado possível, como forma de agradecimento. Ela saiu do quarto e eu passei o resto do dia na cama, pensando nas suas palavras. Se era verdade, eu não sei. Mas eu agarraria aquela historia com tudo, por que ela era a minha esperança.
E foi (quase) assim que Lisa me obrigou a ir no jogo. Resumindo a segunda parte: ela achou que o clima tava muito "bad vibes" por meu sábado não ter sido muito diferente, e me obrigou a ligar para Hanna e Sophia para ir ao jogo. Bem, a Sophia não pode pois ia sair com a host family, mas a Hanna resolveu me acompanhar.
Eu não sabia basicamente nada do futebol americano. Só sabia que eles corriam para jogar a bola naquele grande "Y" do campo, o que era suficiente para mim. O lugar estava lotado, e reconheci muitos rostos de pessoas da escola, inclusive meu host-brother.
- Ele é uma gracinha não é? - disse Hanna parando ao meu lado (e me assustando!).
- Jesus! Ele quem? - olhei para ela realmente desentendida.
- O jogador de basquete, Logan Müller. O que você estava encarando. - ela deu uma risadinha e pôs uma pipoca do saquinho em sua mão, na boca.
- Eu não estava encarando ele! E ele é meu host-brother, para sua informação. -disse seguindo em frente, em busca de um lugar para sentar.
- Olha, ele é um gato, você tem que admitir! E que eu saiba host-brother não é irmão de verdade... -disse ela, dando mais uma risada.
Eu dei um gole de refrigerante e nos sentamos no meio da arquibancada. O jogo começou me salvando dessa incrível constrangedora conversa. Até Hanna me dizer, não tinha reparado o quão bonito ele era. Seus cabelos castanhos formavam uma perfeita onda no seu topete que não era exagerado, e seu rosto fino formava duas quase covinhas quando ele sorria.
- Vai ficar babando no jogador ou prestar atenção no jogo? - ela sussurrou para mim rindo ainda mais. Peguei uma pipoca e taquei nela, para mostrar o fim daquele assunto.
- Eu preciso fazer xixi, onde é o banheiro? - perguntei.
- Ei, você realmente não precisa me dar detalhes! - ri da cara dela, lembrando que esse era um terrível habito brasileiro. -O banheiro da escola esta funcionando, eu vou te esperar aqui.
Em dias de jogo, o outro time usava o vestiário feminino, por isso tive que ir nos de dentro da escola, como Hanna orientou. Os corredores estavam desertos, o que para mim foi uma benção.
Estava voltando do banheiro, quando uma voz suave me veio a cabeça. Parecia um tipo de pensamento alto, algo intenso.
"Hey there Delilah, don't you worry about the distance, I'm right there if you get lonely, Give this song another listen, Close your eyes, Listen to my voice it's my disguise, I'm by your side, Oh it's what you do to me, Oh it's what you do to me, oh"
Minha curiosidade é mato, então fui seguindo a voz até localizar de onde vinha. Entrei o máximo silenciosa possível (para não ser pega) dentro do auditório e me sentei numa cadeira da ultima fileira em meio escuridão. O menino do por do sol estava sentando num canto do palco com algumas folhas a sua volta e cantando de olhos fechados e movimentando seus dedos levemente sobre o violão.
Lembrei do dia em que encontrei Josh. Foi uma sensação estranhamente acolhedora. Depois de ele me dizer seu nome ficamos apenas sentados alguns minutos quando ele olhou para mim e sorriu, disse para eu aproveitar a beleza de Los Angeles e saiu. Ok, isso foi estranho, mas em nenhum momento desconfortável. Quando ele acabou a musica, resolvi voltar ao jogo para ão preocupar Hanna, mas a cadeira não foi minha amiga, e ao levantar rangeu em meio ao silêncio me entregando totalmente.
- Quem está ai? - Josh cerrou os olhos em busca de alguém mas estava escuro demais para enxergar e eu estava de costas. Eu tinha a opção de ficar e dizer que era a apressada que esbarrou nele mas era vergonhoso demais, então simplesmente levantei e sai.
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Amados Contrastes
De TodoTalvez seja o céu laranja-rosado de todas as tardes. Ou quem sabe a paz que a imensidão do mar lhe trás. Cecilia nunca soube ao certo o que levou a decisão de tornar Los Angeles seu novo lar por um ano, mas sabia que fez a escolha certa. Ela sentia...