Os dias iam e vinham e minha tentativa de passar despercebida estava se realizando com sucesso. Tomava café o mais cedo possível e Hanna me dava carona todos os dias para a escola. Os dias em que ela tinha algum compromisso ou atividade extracurricular, eu voltava caminhando. Ficava a maior parte do tempo em que estava em casa dentro do quarto, lendo, atualizando meus videos, conversando com os amigos brasileiros, qualquer desculpa para não precisar estar no mesmo comodo com o Logan. Bom, morávamos na mesma casa, então os esbarros eram comuns. Mas por algum motivo, percebia que ele também me evitava. Alguns dias nossos olhares se encontravam. Outros, eramos obrigados a estar no mesmo recinto, e o máximo que nos comunicávamos era com "passa o sal", "quer suco?", "mamãe mandou avisar que teve que sair hoje, mas a janta esta no forno". Okay, essa fora a maior frase dita nas duas semanas de fuga.
- Quando vocês vão sair dessa especie de Guerra Fria? - Kaya perguntava ao mergulhar sua colher no pote de sorvete que segurava.
- Não sei, não sei... - minha voz falhou um pouco, e deixei a pergunta no ar assim como meus pensamentos. Eu realmente não sabia.
Na verdade eu não sabia de nada. Sabia que havia respostas e motivos, mas não sabia o que fazia em outro pais. Não sabia o que fazer no ano seguinte, não sabia a profissão que escolher. Porque deveria? Só sabia que tudo que precisava era da paz que o mar calmo a frente me proporcionava. O pier de Santa Mônica, mesmo sendo um ponto turístico de Los Angeles, era o lugar que mais causava calma. Olhar ao redor e ver famílias sorrindo, ver casais e amigos, era se sentir inteiro. Mesmo para pessoas que estavam tão cheias de duvidas, como eu.
- Bem, eu sei que vocês deviam se resolver. - Ela olhou a tela do seu iphone e digitou alguma mensagem durante alguns segundos até se levantar. - Eu tenho que ir. Tenho que levar meu irmão na escolinha de futebol. Você vem?
Olhei ao redor. O ar fresco me causava paz, e eu tinha o conhecimento de poder voltar sozinha já. Disse que não, e vi ela passar todas as referencias de metros e ônibus que tinha que pegar pela milésima vez. Observando o céu passar da transição de seu azul vivo a algo mais calmo, decidi caminhar até o ponto de volta para casa, quando vi um pequeno brechó de tudo-um-pouco. Eu, amante cega da costura - sempre acreditei que a moda é um fenômeno ondulatório, onde seus aspectos vão e vêm de tempos em tempos - não podia resistir a algo tão tentador.
Havia de tudo. Respondi mentalmente uma pergunta anterior, esse era um fato que havia escolhido Los Angeles, um fato de estar aqui. Roupas coloridas (até demais), calças flare de todos os tipos, blusas soltas, croppeds apertados. Havia um casaco em especial que me fazia rir. Feito de tricô, e misturava tons de vermelho, amarelo e marrons mostarda em listras grosseiras.
- Hm, ele é bem... exótico. Mas por estar rindo enquanto o segura, acredito que não seja seu estilo. - Josh parou ao meu lado e ficou observando o casaco a mesma maneira em que eu repousava os braços um nos outros.
- Bem, eu o achei extravagante. Ficaria sensacional com minha calça verde fluorecente. - disse em tom sério, ainda observando o casaco.
Seus olhos pousaram o meu rosto e senti uma ponta de desespero na sua expressão. Como se gritasse para mim "Por favor, não faça isso. Nem hoje, nem nunca".
- Você esta brincando, não é? - Eu realmente estava no humor de levar aquela brincadeira em diante, mas sua expressão era tão engraçada que não pude sustentar a cara seria. Soltei uma risada que levou com si um peso nos ombros que não sabia que guardava.
- Sim, estou. - disse. Olhei ao seu rosto, que estava a uma distancia respeitável do meu, mas mesmo assim perto o suficiente para o analisar de forma que nunca parei para ver.
Josh. O garoto que me fez chegar atrasada no meu primeiro dia. Que conversou do nada comigo no meio de uma praça qualquer, o que me fez pensar como aquele momento foi estranho... que cantava maravilhosamente bem, e foi simpático até quando fui uma vaca (em defesa, era a tpm e não eu!). Não podia dizer que sabia muito sobre ele, mas o que sabia me agradava.
- O que você faz desse lado da cidade?- perguntei naturalmente. Passava entre algumas blusas e observava outras, parando apenas em uma ou outra de que gostava.
- Este brechó é da minha irmã, Kristall. Então cuido para ela, na maior parte dos dias. - ele disse, se escorando num balcão que ficava num canto da pequena loja. - E você, o que faz por aqui?
- Estava no píer. - Escondido num montinho de blusas do Mickey e de bandas em que nunca ouvi falar, havia um vestido. Longo, mas com pequenos cortes na região da cintura. Estampa floral rosa, mas com a base preta. Alças finas, e tecido leve. Era sensacional.
- Porque você não experimenta esse? - ele disse sorrindo. Não sabia se era de mim, para mim ou de algo engraçado que apitava no seu celular de cinco em cinco segundos.
Me virei podendo observar seu rosto. Ele me olhava serio, mas com uma certa aprovação no olhar. Caminhei até o pequeno vestiário que havia no local sem dizer nada, e pude perceber ao ver o vestido se encaixando perfeitamente no meu corpo. Aquela famosa sensação dos filmes hollywoodeanos de que a mocinha acha o vestido perfeito, daqueles que nasceram um para o outro. Bem, eu estava na cidade dos filmes, e nunca fui uma moça ruim...
Por ação espontâneo da natureza, de alguma forma queria saber a opinião de Josh. Abri a cortina e ao por o pé para fora do pequeno local, pude ver sua expressão mudar. Seu rosto ainda era firme e serio, mas era como se seus olhos brilhassem mais. Fazendo um discreto aceno com a cabeça seus lábios formaram um pequeno sorrio, e mesmo envergonhada repeti o movimento.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Amados Contrastes
LosoweTalvez seja o céu laranja-rosado de todas as tardes. Ou quem sabe a paz que a imensidão do mar lhe trás. Cecilia nunca soube ao certo o que levou a decisão de tornar Los Angeles seu novo lar por um ano, mas sabia que fez a escolha certa. Ela sentia...