1 - Recomeço

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- Porra!

Talvez não seja a resposta imediata esperada a uma campainha sendo tocada, mas foi espontâneo. Só podia ser uma pessoa, afinal apenas ela sabia que estava morando ali. O espanto foi porque poucos minutos atrás nos falamos ao telefone, dei o meu novo endereço e lá estava ela em tempo recorde. A curiosidade muitas das vezes é um grande motivador para certas ações.

- Você foi rápida – disse assim que abri apenas uma fresta da porta. – Pensei que estava na sua irmã.

- Eu estava. Peguei um taxi. Posso entrar?

- Taxi? Era só pegar o metrô. Você é burra?

- Estava com pressa e curiosa. Dá para me deixar entrar?

- Pressa? Você sabe que eu fiz um contrato de 30 meses, não sabe?

- Ah jura? Pensei que era de um dia e a casa se autodestruiria na manhã seguinte. POSSO ENTRAR NA MERDA DESTA SUA CASA SECRETA?

- Não sei se quero essa atitude deflorando os ares puros da minha nova residência.

- Ares puros? Você está aí não faz nem 24 horas e tenho certeza que já levou uma puta, vomitou na sala e peidou o quarto todo.

- Que horror você pensar isso de mim. Sabe bem que jamais peidaria no meu quarto – ela riu e eu também. – Enfim, qual a palavra mágica para entrar?

- IDIOTA!

- Não, não é essa, mas tem sorte que estou apertado.

Saí em direção ao banheiro deixando para que ela abrisse a porta e entrasse. Já de frente ao vaso escutei Tatiana espantada perguntando em voz alta se tinha alugado um apartamento ou um almoxarifado. Não podia condená-la, a sala era uma interminável pilha de caixas que por si só impressionava, mas ao lembrar que levei apenas minhas coisas de necessidade básica tornava-se uma cena exagerada. Se tivesse que incluir algo, seria a moto que estava na rua obviamente.

- Ei, achei um sofá atrás das caixas – é, tinha um sofá na sala. – Ele está meio sujo.

O sofá veio com o apartamento, ou sempre existiu ali e construíram um prédio ao redor dele. O fato é que se tratava de um sofá muito velho que permiti que fosse deixado, caso contrário não teria onde dormir. Sim, foi uma decisão de desespero, inclusive depois de ouvir o porteiro Pereira dizer que, na época que o apartamento estava vazio, levou muita faxineira para trepar naquele sofá. Naquele momento optei por não imaginar a cena dele com outra pessoa suando e respingando fluidos corporais naquele estofado que um dia já foi bege e hoje é cinza. Assim como também escolhi não imaginar como um homem de 1,90 metro de altura como eu dormiria em um sofá de dois lugares. Como disse, foi uma decisão de desespero. Ou era o sofá, ou era o chão.

- Por que você trouxe um sofá velho imundo?

- Eu não trouxe, ele já estava aqui – respondi voltando para a sala e pulando nele. – Faz algo de útil na sua vida e pega uma água para mim.

Tatiana foi para a cozinha e, depois de alguns segundos de silêncio, gritou que não tinha geladeira. Não dei corda esperando os próximos gritos que aconteceram como esperado:

- NÃO TEM FOGÃO – ela gritou para depois repetir as duas constatações juntas. – Essa casa não tem geladeira, nem fogão.

- Você tem certeza?

- Bem, eu acho – ela respondeu ainda da cozinha.

- Quanto tempo a mais você precisa para confirmar isso em uma cozinha de 15 metros quadrados?

Tinha acabado de me mudar para um quarto-sala minúsculo. A sala tinha espaço para um sofá, uma pequena mesa para colocar um computador e trabalhar, um pequeno móvel para uma televisão e um armário de uma porta para meus livros, restando apenas ao centro um espaço para brincar apenas de guarda do Palácio de Buckingham, ou qualquer movimento me faria esbarrar em um dos itens móveis recém-listados. A cozinha era menor ainda, sendo que sequer tinha área de serviço. Era tudo junto e apertado. Já imaginava com antecedência que, quando chegassem os eletrodomésticos, para abrir o forno, teria de colocar a máquina de lavar na sala e a geladeira na casa da vizinha. Ainda bem que não cozinho, logo o fogão vai servir apenas para fazer café e acender cigarro dos outros.

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