- Oi, meu filho.
Frases como essas são um bote inflável no meio de um oceano quando estamos boiando à deriva. Por mais decepcionados que estivessem com a minha separação, meus pais me receberam no restaurante com a solidariedade necessária. Inclusive com o meu atraso de quarenta minutos. Pois é, pontualidade nunca foi o meu forte. Mesmo de moto e dirigindo de maneira exageradamente irresponsável.
Marquei em um restaurante perto da casa deles que era um dos seus favoritos. Assim, a aporrinhação com algo que os desagradassem não se acumularia com os assuntos que precisavam ser tocados.
- O que aconteceu?
A pergunta veio de forma direta antes mesmo que me sentasse à mesa. Mamãe nunca foi de rodeios. Tanto que logo após a minha resposta dizendo que o que aconteceu tinha sido o inevitável, ela perguntou se a bebida não era o motivo. Na cabeça dela, Maria Fernanda não aguentava mais as longas noites de bebedeiras e acabou fazendo com que eu saísse de casa.
- Dona Vânia – chamá-la de maneira formal em determinados momentos criava uma entonação necessária. – Não se esqueça que foi a sua nora quem deu entrada diversas vezes no hospital com coma alcoólico durante estes anos de casamento. Inclusive na noite de núpcias!
- Mas, claro, também! Acompanhar você deve ser uma tarefa dificílima. Você não bebe. Você entorna. Acha mesmo isso necessário?
Papai permanecia calado. Era o estilo dele. Ele sabia mais das minhas histórias que a mamãe. Bem, ele sabia apenas de algumas bebedeiras a mais que ela. Nunca soube da parte mais pesada delas. Poupá-los disso, além de um ato egoísta de me livrar de ouvi-los me recriminando, reduzia as já existentes decepções deles comigo.
- Não, mãe. Não foi isso! Foi ciúmes. A situação estava fora do controle e sair de casa era a solução mais viável.
- Ah, mas alguma coisa você aprontou. A Fernanda nunca teria crises de ciúmes sem motivo. Você fica dando trela para as suas aluninhas. Cuidado, meu filho. Fica se envolvendo com aluna. Você pode perder o seu emprego. Você pode ser preso. Ainda mais lá na Pavuna. Não quero nem pensar. Imagine que um pai apareça por lá para te matar.
- Mãe, a Pavuna não é o velho oeste. Quero dizer, não chega a tanto. E, não, não saí com aluna alguma. Ela que foi perdendo a confiança, o controle e o bom senso. Meteu os pés pelas mãos e aqui estamos. Digo, aqui estou.
- Não – ela balançava a cabeça negativamente não querendo acreditar. – Você fez alguma. Maria Fernanda não é maluca.
Muitas pessoas discordariam da afirmação de mamãe sobre a sanidade da Maria Fernanda, inclusive a própria. Entretanto, retrucar não era a melhor das opções. Assim como Tatiana fazia comigo, mamãe vestia a camisa de Maria Fernanda. Era inconcebível que ela estivesse errada. Ficava mais prático culpar o filho pinguço irresponsável. Se bem que isso quando dito em voz alta faz até mais sentido, mas não era o caso.
- Meu filho, pense bem. Uma mulher bonita, inteligente, que gosta de você, carinhosa, se veste bem...
- Tem um excelente útero para gerar meus filhos, né?
- Ok – meu pai interrompe para fazermos os pedidos. – Vânia, o de sempre? Filho, divide a picanha na pedra comigo?
Pedidos acordados e feitos ao garçom, o silêncio se estabelece na mesa. Papai fica com o olhar perdido mirando a televisão do restaurante, eu beberico o chope e mamãe fica de cabeça baixa acenando que discorda com algo. Todos sabem com o que ela discorda. Até a família, que ignora a criança batucando os talheres na mesa atrás como se fosse o Olodum, sabe o motivo da discordância de mamãe. Ninguém ousa questionar. A ideia é deixar cair no esquecimento.
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Diário de Classe
Non-FictionProfessor, irresponsável, beberrão, pervertido e tentando reorganizar a vida. Talvez seja autobiográfico, talvez seja ficção. Quem se importa? [EM CONSTRUÇÃO]