O táxi até a casa de festas em Duque de Caxias foi uma fortuna. Já na recepção, ao me identificar como professor, a até então simpática mocinha perguntou o meu nome. Assim que respondi, ela disse que a dona do colégio comentou para que a equipe de seguranças ficasse de olho em mim. Estava tão nervoso que acabei interpretando aquilo como uma real ameaça e acho que fui um pouco rude com a recepcionista que ficou me olhando atravessado. Quem sabe na saída eu me desculpo com ela?
- MEU DEUS DO CÉU, QUEM É ESTE HOMEM SÉRIO VESTINDO TERNO E GRAVATA?
- Porra, Amaral! Quase me caguei todo!
- Levou susto, cara?
- Não, não é isso – fiz uma pausa para ajeitar a gravata, gesto que notei em todo trajeto de táxi ser um tique nervoso que adquiri. – Você acha que estou confortável assim? Isto não é meu terreno, nem meu traje habitual. Daí você vem gritando do nada fazendo piada.
- Relaxa, cara! Vamos beber umas cervejas e você entra em sua programação habitual.
Amaral então me conduziu por um pequeno corredor que levava até o salão onde acontecia a festa. A cena era bem dentro do que esperava. Luz distribuída estrategicamente apenas na primeira parte onde estavam as mesas com pais sentados conversando entre si. Na segunda parte, pouca luz, som alto e alunos com seus amigos dançando qualquer música da moda. As pessoas que me conheciam, quando notaram a minha chegada, fizeram meio que uma reação coletiva quase coreografada. Mas que diabos! Não é possível que ninguém possa ao menos olhar e pensar que era apenas eu vestindo um terno. Todos precisavam reagir como se fosse uma aberração? Eu uso terno! Mentira, em raríssimas oportunidades uso terno. Contudo, quando uso, sou uma pessoa normal como qualquer outra.
Um pequeno grupo de alunos veio me receber euforicamente. Declaram o quanto estavam incrédulos com a minha presença e mais ainda com a minha roupa. Era uma ótima oportunidade para fazer uma piada sobre só estar lá por conta do open bar, todavia a desperdicei de tão nervoso. Eles e Amaral falaram várias coisas e não prestei atenção a uma sequer. Estava disperso com o olhar vagando por toda a casa à procura de Juliana. Ela era a única razão por estar lá e, principalmente, por estar naquele estado, seja vestido, seja de nervos.
Em determinado momento senti uma mão sobre meu ombro. Pensei ser um dos alunos ali ao redor tentando reconquistar a minha atenção para a conversa e por isto me virei de forma displicente. Era Juliana. Fiquei boquiaberto. Ela também. Visivelmente os meus trajes lhe causaram surpresa. A recíproca era óbvia e nítida. Os dois catatônicos parados frente-a-frente foi tão evidente que todos ao redor perceberam, tornando tudo constrangedor. Ela conseguiu disfarçar um pouco e trocou a expressão pasma por um sorriso sincero e encantador. Eu continuei como um palerma em coma.
- Fala, homem – disse ela, algum tempo depois com o sorriso ainda intocado.
Não conseguia. Ela estava estonteante e não queria parar de admirá-la. Falar ou fazer algo que me distraísse poderia acarretar em um piscar de olhos. E não me perdoaria por perder um segundo daquela imagem por conta de uma piscadela. Se existia alguma justiça no universo, ela se faria com a interrupção do tempo naquele momento. Aquela era uma cena que precisaria de semanas para conseguir digerir, meses para apreciar com minuciosa atenção devida e múltiplas vidas para chegar perto de me fartar. Não, eu não queria falar. Eu queria olhar initerruptamente até que, como um filme fotográfico, ela ficasse impressa ao fundo da minha retina e, sempre que fechasse os olhos, lá estaria pela eternidade.
- Você está me assustando – ela se manifestou mais uma vez. – Fala alguma coisa, homem!
O que falar? Dizer que ela estava linda era pouquíssimo para a realidade ali presente. Era necessária a desenvoltura de um profeta para conseguir articular as sensações que estava sentindo naquele momento. Era preciso a sensibilidade de um pintor para descrever com cores e traços os adjetivos que lhe eram merecidos. Não, eu não era capaz, tão pouco possuía em alguma parte de mim uma poeira sequer desses talentos. Como não se fosse suficiente, em casa, de frente para a estante, me deparei com o desgraçado do Hunter Thompson. Lá estavam vários mestres que possivelmente poderiam me inspirar naquele momento, mas o destino quis me fazer improvisar. Fica de aprendizado colocar em uma posição mais central Neruda e Garcia Márquez.
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Diário de Classe
NonfiksiProfessor, irresponsável, beberrão, pervertido e tentando reorganizar a vida. Talvez seja autobiográfico, talvez seja ficção. Quem se importa? [EM CONSTRUÇÃO]