Aquele era, provavelmente, o décimo apartamento que Ana visitaria naquela semana. O cansaço e falta de esperança da garota não desanimaram Gloria, a Corretora Implacável, que já foi desfiando as vantagens do lugar enquanto as duas caminhavam até ele. "E aí, Gloria? Qual é a pegadinha? Um aluguel barato neste bairro deve vir com um contrato com letras bem miúdas", Ana a interrompeu. "Que pouca fé! Eu jamais te colocaria em uma encrenca. A proprietária só está com pressa de alugar, o apartamento está vazio há muitos anos", ela respondeu, ignorando a ingratidão da cliente. Ana não acreditou muito, mas Gloria tinha razão: era melhor renovar a fé, afinal, aquele apartamento tinha que dar certo. Ela precisava sair do outro em 15 dias e estava dura demais, o que reduzia bastante as opções disponíveis.
As duas chegaram enfim ao prédio, um estreito e esquisito retângulo amarelo com janelas minúsculas e pintura descascando. "Ok", Ana pensou, tentando o otimismo, "ele deve ser maior do que parece e mais conservado por dentro". Não: ao abrir a porta do apartamento 134, no 13º andar, Ana se deparou com um cubículo escuro e mal-cuidado, também com a tinta velha e descascada, marcas de quadro na parede e o piso frio, feio, com rejunte encardido. A sala, escura e pequena, deprimiu a garota. Cozinha e área de serviço eram bem apertadas também, o que não a incomodou tanto, já que costumavam ser lugares quase inabitados da casa. Mas o banheiro foi a pior surpresa: mofado, sem box e com um enorme buraco no lugar do que seria o espelho, com tubos, fios, tijolos e nacos de cimento indecentemente expostos. "Acho que tomar banho na pia da cozinha seria uma solução mais higiênica. Que lugar nojento", ela pensou, lembrando já com saudade do seu banheiro branco, limpo e com um espelho enorme.
"Ana?", a voz de Gloria a tirou da nostalgia antecipada. "Oi, tô aqui", respondeu, indo ao encontro da corretora, que estava com a expressão iluminada pela expectativa. "Então, o que achou? É bom, não é?", questionou Gloria. "Hum. Não sei, pode ser que com uma reforma fique ok", respondeu Ana. "Ah, claro. Precisa de alguns reparos, mas nada demais, né?", replicou a corretora. "Não, nada demais, é só botar fogo neste lugar e construir tudo de novo", pensou Ana, que preferiu responder em voz alta: "Mas ela dá desconto no aluguel para eu poder fazer os reparos?". "Infelizmente, não. O aluguel já é muito baixo, então a proprietária vai deixar a reforma por conta do novo inquilino", disse Gloria. A resposta perturbou Ana ainda mais: que mulher mesquinha essa proprietária. Queria arrumar um otário para dar um jeito no buraco dela. Mas a otária seria ela própria, decidiu, já que o tempo estava se esgotando e as oportunidades só pareciam piorar. "Ok, Gloria, negócio fechado".
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Apartamento 134
Short StoryAna estava sem dinheiro e precisava mudar de apartamento. Foi parar em um imóvel escuro, sujo e destruído, mas o único que podia pagar. No entanto, desde o dia da mudança, Ana tinha a insistente sensação de que havia algo errado por ali. Sua vida se...