Era a terceira noite de Ana no novo apartamento e, mais uma vez, o seu estado de semi-repouso foi perturbado pela imagem do buraco sobre a pia do banheiro. Ela tentou afastar a sensação ruim com pensamentos sobre o trabalho. Depois de algum tempo, conseguiu adormecer, mas teve sonhos esquisitos, pesados e ao mesmo tempo muito reais: ela estava correndo em um lugar escuro, sujo, sufocante – o que seria sua versão do Inferno, se acreditasse nele -, sendo perseguida por algo que não sabia o que era, apenas que representava perigo.
"Você está com uma cara de quem não dormiu nada ontem", disse Mario a Ana, na padaria em que eles costumavam se encontrar para tomar o café-da-manhã todas as quartas e sextas há cerca de dois anos. "Dormi pouco mesmo. Sei lá, Mario, tem alguma coisa nesse apartamento que me dá arrepios", ela respondeu, mesmo sabendo a reação que causaria no namorado.
"Você mal se mudou e já vai inventar problemas no único lugar que conseguiu arrumar para morar? Para com isso, você precisa aprender a aceitar as coisas como elas são", Mario disse. "E você precisa ir cuidar da sua vida", Ana pensou, mas decidiu segurar a resposta. Agora não era hora de brigar com Mario, principalmente porque eles tinham combinado que ele iria conhecer o apartamento e dormiria com ela naquela noite, o que era uma espécie de alívio -- triste, mas ainda assim um alívio. "É, você tem razão. Acho que é só aquele buracão do banheiro que está me dando calafrios, mas é besteira mesmo", respondeu. "Tudo bem, você mudou contra a sua vontade, a mudança foi cansativa, precisa arrumar um monte de coisa ainda, natural que esteja cansada. Vou lá hoje dar uma olhada e a gente pensa no que fazer, ta? Tenho que ir, te ligo mais tarde", Mario deu um beijo na namorada e foi embora.
Ao chegar em casa naquela noite de sexta, Ana só queria se jogar no sofá e esperar por Mario, que chegaria com uma pizza e um filme, mas, quando viu a carta, que fora jogada sob a sua porta, teve um pressentimento de que a noite não seria mais tão tranquila.
Ana abriu o envelope, que tinha apenas o nome dela, sem remetente, e leu o texto batido à máquina de escrever: "Você deve deixar este apartamento imediatamente. Vá embora".
Com as mãos trêmulas e o coração acelerado, Ana releu o bilhete mais algumas vezes antes de largá-lo no chão. Ficou olhando para o pedaço de papel jogado no piso feio, pensando que a folha amarelada combinava com o rejunte sujo - essas coisas sem sentido que pensam as pessoas em choque. Foi interrompida pelo barulho do interfone tocando. Era Mario. Será que agora o namorado daria um pouco de crédito a ela?
Sem chance: Mario foi cético e ainda mais crítico sobre as superstições de Ana. "Não é possível que você ainda esteja com essas historinhas na cabeça. Deixa isso pra lá, é óbvio que isso é obra de um vizinho que quer que você se mude". Mas era óbvio? Ela estava lá há menos de uma semana, a maioria dos moradores nem a conhecia, por que era tão mais plausível essa hipótese do que qualquer outra? Ana de repente se sentiu exausta demais para discutir com Mario, decepcionada por não ter o apoio do namorado. Tinha perdido a fome e decidiu que era melhor ir dormir e acabar com aquele dia.
Já na cama, a garota abriu os olhos no quarto com a luz apagada e sentiu a escuridão a oprimindo, se fechando sobre ela como uma coisa quente e pegajosa. Achou que estivesse sufocando.
Nem a presença de Mario foi o bastante para diminuir o pânico que se formava em sua garganta. Fez, então, algo que não fazia há muitos anos: rezou até dormir.
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Apartamento 134
Short StoryAna estava sem dinheiro e precisava mudar de apartamento. Foi parar em um imóvel escuro, sujo e destruído, mas o único que podia pagar. No entanto, desde o dia da mudança, Ana tinha a insistente sensação de que havia algo errado por ali. Sua vida se...