Capítulo V

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Sheffield, Inglaterra

Presente

    Estava quente naquela casa, Marc estava caído em um chão de madeira velha, a frente ele enxergava uma porta semiaberta que dava para uma espécie de gramado, ao longe podia enxergar uma estrada, não havia nada até o horizonte além de mato, algumas árvores e postes. Enquanto retomava a consciência percebeu que estava em uma pequena casa de interior, levemente parecida com a casa na qual passou a infância, toda feita de madeira, havia frestas por todo e chão e paredes por onde passava luz, o teto era de telha, tinha alguns poucos móveis antigos, um sofá rasgado, uma mesa de madeira com duas cadeiras de plástico e uma televisão de tubo dos anos 60 em estática. Vários fios passavam pelo teto como uma espécie de varal, havia alguns pelo chão e outros colados na parede, todos entravam na casa e seguiam até o único quarto.

    Aos poucos Marc percebeu que estava novamente em seu corpo, sentia que algumas horas haviam passado, tudo parecia muito real, naquele momento não sabia se fazia parte do ritual ou se realmente havia se transportado completamente para aquela casa.

    Do lado de fora ele viu que estava em um local completamente desconhecido, sentia que não estava mais em Londres, avistou no jardim um grande e enferrujado cortador de grama parado em frente a uma espécie de galinheiro. Estava em uma pequena varanda de teto quebrado, ao virar o rosto se atirou no chão com um susto, diante dele estava enorme cão negro parado, olhava em seus olhos como se tivesse o enxergando, Marc estava tremendo, não conseguia fazer mais nada além de se arrastar para trás dando impulsos com o pé. O cão estava imóvel como uma estátua, mas estava vivo, respirava alto e babava, tinha várias feridas abertas onde pousavam moscas, parecia não ver, mas sentia que havia alguém ali na sua frente – Ezequiel! – Gritou alguém de dentro da casa, o cachorro correu imediatamente para o local.

    Não havia mais sinal de Trunk, Marc não sentia mais ele, não sabia mais o que estava acontecendo naquele momento. Voltou para dentro da casa, percebeu algumas coisas que não enxergou antes, na mesa havia uma garrafa de leite vazia e um copo, a porta na qual ele tinha entrado estava fechada, era completamente destoante do cenário, era uma porta preta enorme, estava toda marcada, como se fosse feita de carvão. A estática na televisão se movia algumas vezes, em alguns momentos tomava forma de uma mão ou de um rosto. Na parede havia escrituras e símbolos vermelhos feitos com o que parecia sangue.

    Do quarto escuro onde todos os fios entravam o cachorro negro saiu com um pedaço de osso da boca, tinha um formato estranho, era grande, parecia um fêmur humano. Enquanto se dirigia ao quarto tirou de sua cintura um punhal indiano que Trunk havia lhe dado antes de começar o ritual.

    Havia vários fios no quarto, eles se conectavam a CPUs enormes, era como se tivesse sido transportado mais uma vez para outro local. Estava frio, começou ao ouvir o som das maquinas que estavam ao seu redor, percebeu que estava em uma espécie de contêiner, as paredes eram de ferro, repletas dos mesmos símbolos e escrituras que ele viu na casa, ao fundo ele via diversos monitores ligados e um homem sentado olhando para eles, parecia estar com uma espécie de máscara, no topo da sua cabeça saíam orelhas enormes como de um coelho, estava imóvel.

    Marc se aproximou lentamente, não sentia medo, queria acabar com tudo aquilo o quanto antes, queria voltar para casa, começar uma nova vida com sua amada, cuidar de seu filho bem longe daquele passado que tanto o atormentou. Como um cão raivoso ele pulou no homem que estava sentado o-agarrando e dando golpes com o punhal. Marc gritava de ódio enquanto apunhalava, naquele momento perdeu a consciência do que estava fazendo, a fúria o-fez cair de cansaço, estava com a cabeça da vitima em suas mãos – Está tudo acabado! – gritou.

    Enquanto retomava a consciência percebeu o erro que havia cometido, não havia sangue, não havia pele ou vísceras espalhadas, ele segurava um boneco de pano, uma espécie de espantalho, estava insano para não perceber, em suas mãos segurava a cabeça de uma boneca de plástico com o rosto queimado, sem olhos e com orelhas de coelho encravadas.

    Estava apavorado, olhava ao redor e não via nada, o medo tomava conta novamente, estava perdido, antes que pudesse pensar em seu próximo ato olhou para trás e viu uma criatura enorme, estava com um macacão preto, vestia uma mascara de gás e segurava uma enorme faca de guerra, dessa vez não era um espantalho.

    Marc correu dando um golpe com o punhal acertando o ombro da figura negra, que soltou um berro, antes que pudesse agir novamente a criatura agarrou sua mão com o punhal ainda preso em seu corpo e o-atirou longe, de volta para a casa de madeira. Marc estava no chão, ainda segurava o punhal, percebeu aos poucos que o chão da casa e do quarto estava repleto de símbolos que brilhavam, não conhecia muito de magia, mas sabia que aquilo o-esperava e de alguma forma aquelas marcas haviam denunciado sua chegada.

    Os passos da criatura faziam o chão de madeira ranger, antes que Marc pudesse tomar alguma ação, foi agarrado e levantado e como um animal foi aberto pelo corte da enorme faca, ele sentia o ar saindo de seus pulmões, não conseguia olhar para o chão, mas sentia suas tripas despencando de seu corpo. Não conseguiu pensar em mais nada além do rosto de sua mulher, com seus cabelos vermelhos esvoaçantes, como no primeiro dia que se viram. Sua visão ficou embaçada, sentiu seu corpo sendo atirado e antes que pudesse cair ele apagou, o resto era escuridão. Marc estava morto.

    A figura tomou o punhal indiano e adentrou a porta negra, seu corpo foi transportado para o apartamento em Sheffield, estava sentado no chão ao lado do corpo de Marc, que estava em carne viva, como se tivesse sido completamente queimado. A criatura arrancou os fios grudados em seu corpo e viu Trunk desmaiado, pegou o velho pelo colarinho e com a faca de guerra arrancou sua cabeça. Trunk não conseguiu pensar em nada antes de sua morte, sentiu na pele o tormento de Marc na maquina, estava ainda envolto aos pesadelos, estava afundando em um mar de fetos que choravam e o-puxavam para baixo, de alguma forma seus pedidos de socorro foram ouvidos, agora estava morto, sua alma estava indo para um lugar pior.

    O demônio aguardava, olhava para porta enquanto ouvia passos se aproximando, jogou a cabeça do velho Trunk e se dirigiu a entrada – Estou exausta, bêbada e completamente encharcada, isso realmente não é coisa que uma mãe deveria fazer – Dizia a voz do outro lado da porta, era uma voz feminina e doce como de uma garota de quinze anos. O trinco se mexeu algumas vezes, logo após ruídos do que parecia ser ela vasculhando a bolsa e achando a chave. Novamente o trinco se mexeu, a porta abriu. Era tudo escuridão.

Constantine/Hellblazer - Despedidas em vermelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora