Perturbações

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Talvez esperase algo, mas o pior eram as dores que surgiam depois, o coração acelerado, os sentimentos medonhos de euforia seguidos de uma angústia tão depressiva que um suicídio seria pouco para quem passaria a eternidade em um manicômio, meus olhos ardiam, minhas narinas coçavam, minha garganta seca clamava por água, mas por mais que eu consumisse qualquer líquido aquela sede nunca seria saciada, podia ver o ódio nos olhos das pessoas que comigo conversavam, saia pela rua sem sentidos, ouvia vozes que me diziam palavras sem sentido, ou talvez tivessem sentidos e eu não compreendesse, era triste a realidade do meu corpo, estava inchado, os pés não cabiam nos calçados, as pernas batiam umas nas outras causando ferimentos entre elas, suava ao ponto das minhas camisas molharem além do estômago, era obeso e não sentia fome, comia algo quando tinha a certeza que desmaiaria pela rua ou em outro lugar qualquer, às pessoas não tentavam me ajudar, certamente desejavam que tivesse um fim pior do aquele.
Em meus pensamentos eu podia confiar na humanidade de alguns, mas era muito jovem para enxergar o que era aquela passagem pela expêriência terrena. Com o passar de muitos anos aprendi como agir, mas continuava alheio à tudo, eu me encontrava em uma cama, onde dormia constantemente sem estar cansado, não consumia remédios, apenas o necessário para suprir minha dependência que ainda era intensa, nada fazia para mudar aquilo , mas em um daqueles dias rotineiros me vi imobilizado deitado no chão de barriga pra baixo e vomitando a única refeição que havia feito naquele dia, eu estava só em casa, ninguém me daria socorro, me mantive consciente e me arrastei até o banheiro onde consegui me levantar com muita dificuldade sentando-me na privada, não parava de vomitar, o ar me faltava, às vias respiratórias ardiam até a altura do peito, como se eu tivesse bêbido um copo de lava vulcânica e foi díficil me recuperar da falta de ar, eu mal sabia que aquilo viraria uma constante rotina naqueles anos que viriam, mas eu permanêcia deitado por muitas vezes lendo e outras ouvindo música, mas em dado momento do dia era assolado por câimbras que surgiram repentinamente, minhas pernas ficavam doloridas e duras enquanto meus músculos se contraiam, quando aquilo acontecia eu queria sair daquele quarto de qualquer maneira, mas de que maneira saíria? se não conseguia nem andar nesses momentos, precisava de ajuda para que aquilo passasse e indiretamente ninguém me estendeu a mão, eu não pensava e não falava nada a respeito, nem gritava, apenas chorava dentro de mim e no silêncio daquela dor maldita que consumia minhas veias e que queimavam meu sangue, talvez seja estranho ouvir um homem falar que chorava, mas eu vivia assim, e então mais uma vez sentia a febre do meu refluxo que sujava o chão. Fui vivendo assim até conseguir caminhar de novo, foi incrivel que depois de alguns anos bem lentamente voltei a praticar alguns esportes, arrumei um emprego, voltei a estudar, e atravessei aquela ponte amarga que interpelou minha vida que havia sido destruída, uma nova construção estava por vir, seria algo bom e alegre, isso não era difícil de prever na ocasião, mas o que realmente importava era ter a certeza da vida pela frente, e a sobriedade em minhas mãos. Quando acordei percebi que isso não foi o pior que passei em minha humilde vida. Um homem uma vez me disse " Que antes vale conviver com a humildade e a honestidade, do que no reverso de milhões " repentinamente me indagei com voz amarga, relutante e um olhar longínquo " De que valem essas coisas?, Será mesmo que o mundo está perdido assim?, Parece estar cansado e solitário." Eu não me atreveria a parear essas perguntas nem se tivesse as respostas, também não julgo diminutivamente quem as lê e mesmo agora reflexivamente questiona se resta à nos, a mim, ao governo ou a humanidade que figurativamente parecem ser meras formigas aos olhos do universo ou de Deus, gravidade e teologia as quais nos curvarmos para as vontades que nos são impostas para que sejam refletidas dia após dia. Não sei dizer-lhes com certeza.
Um dia um senhor com mãos calejadas e linguagem humilde que seguia viajem passou por mim, eu estava recuperado e com a mente menos cansada do que nos tempos anteriores onde as perturbações e vícios me levavam há um caos o qual para mim era desconhecido, continuei ali sentado em uma rodoviária interiorana onde as pessoas com aparência simplória iam e vinham, vezes de cavalo, vezes de bicicleta e até mesmo a pé, carregando consigo seus motivos, eu? que estava parado de frente para parede do banheiro olhando a luz da fraca vela urbana acessa, isso foi no tempo em que as luzes da cidade e das ruas ainda eram amarelas. Fui até não sei porque, nem, para que, fui sozinho, com uma idéia fixa a qual desisti no momento em que lá cheguei, por isso sentei derrotado na rodoviária e comprei uma passagem de volta. É triste olhar do lado de fora pela fresta da janela esperar e pensar vagarosamente e ir seguindo em frente, observando e degustando um relato simples e diário, mas repleto de lembranças que deveriam ser instantâneamente aglutinadas e incrédulamente creditadas em minhas próprias lembranças, lembranças essas que fazem sentido agora, mas não faziam.
Não me lembro de seus trajes, mas as palavras desferidas sem intenção sim, eu podia sentir que se mais alguém lá estivesse sentiria o temor também, eu ainda era um covarde e as palavras eram curtas, calmas e tinham uma tonalidade de inconformação com um misto de desilusão e incerteza entre o certo e errado; isso nos trás uma relatividade muito grande sobre compreenção. Certas alienações relatadas e idéias que lhe pareciam descompromissadas no inicio nas suas projeções turvas e desembaraçadas por descobrir a maldade incontestável da humanidade somada a sua ira impregnada durante anos relativa há questões mais simples ou de menos valor, isso era insuportávelmente uma discordância de magnitude tão grandiosa que de tão grandiosa se tornava humilde, mas todavia interinas e indubitáveis naquele paralelo momento e tão desconsertantes que eram e criticadas e voltavam à mim. Costas cansadas, peito dolorido, água nos olhos, essas foram a herança que aquelas simples interrogações me adicionaram na vida e que ficaram sem resposta. Ele iniciou sua conversa dizendo uma frase impactuante para mim " Hoje um homem morreu ", continuou olhando para frente e me dando seu perfil, me mantive quieto, e com a mente vazia para ouvi-lo, mas ele se levantou e partiu, antes disso me olhou seriamente dizendo para que eu aproveitasse mais a minha vida. Depois de alguns anos me encontrei em situação similar, a rodoviária já não era a mesma e estava bem diferente de antes, mais moderna, eu por uma estranha motivação nostálgica lembrei-me daquele dia, e então o mesmo homem apareceu mantendo o silêncio como se esperasse ouvir algo que lhe desse alguma razão para seguir, eu já não era mais um covarde, disse ao homem - Hoje um homem morreu. Visivelmente conformado e tranquilo e porque não dizer emocionado, o homem acendeu seu cigarro, e seguimos viagem. Não sentia mais náuseas nem dores, estava magro, e não me reconhecia no espelho, só reconhecia minha mente que ainda levava consigo a lembrança daquelas perturbações, mas não a presença delas.

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