1. I can't escape this hell.

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 O primeiro uivo não me assustou.

Para dizer a verdade, eu estava um tanto quanto acostumado àquele ruído... Fazia parte de minha vida desde que o conheci.

Era a trilha sonora sombria de todas as minhas noites de lua cheia. Noites em que eu me lembrava das lendas contadas por meu pai, quando morávamos em Lyon... Lendas que vinham de uma infância tão inocente e tão vazia, desprovida de todas as respostas que eu tinha em mãos naquele instante. Uma infância que meus pais conseguiram construir da melhor forma possível, me privando de tudo o que eu iria descobrir em minha adolescência. Noites em que eu deitava minha cabeça no travesseiro e acreditava em um mundo repleto de esperança, felicidade e pureza ao meu redor.

Eu era mesmo um garoto muito estúpido.

Um garoto estúpido que havia se mudado para Lozère com a ideia de que eu poderia ser um pouco diferente da minha família. Que eu poderia ser menos corrompido e desligado do karma que meu sobrenome carregava há séculos. Não sei o que diabos deu em minha cabeça para acreditar nisso, mas talvez eu fosse tão azarado quanto cada um dos membros da família Iero e sua maldição.

Pois eu havia coletado para o meu currículo de bizarrices o mais inesperado trabalho que eu poderia conseguir ao me mudar para aquela cidade interiorana.

Eu poderia fugir da estranheza, dos males que eu havia descoberto e que estavam enraizados em mim há gerações... Mas eu tinha a impressão/certeza de que quanto mais eu corresse, mais eu iria afundar. Era como estar sob uma areia movediça... No caso, a areia movediça metafórica da minha vida se chamava Gerard Way.

Ele tinha até um nome bonito, veja só.

O segundo uivo fez com que o livro que eu tinha em mãos recaísse sobre o meu colo, em um baque abafado pela jeans escura que eu usava.

Ajeitei os óculos, que teimavam em deslizar por meu nariz e escaparem de meu rosto, em um ato automático, ao que eu me colocava de pé em um salto. O livro caiu sobre o tapete persa do cômodo e eu pouco me preocupei em pegá-lo. Atento, meus olhos fixaram-se na janela logo atrás da poltrona vinho onde eu estava sentado, esperando pelo terceiro sinal.

O silêncio instaurou-se na velha biblioteca da mansão Way.

Para qualquer pessoa normal e um pouco ambiciosa, aquele era o trabalho perfeito. O ambiente perfeito, mesmo se tratando de um trabalho medíocre e simples de ser realizado, aparentemente. Um trabalho que eu exercia há mais de três anos e tinha certo orgulho, mesmo que não gostasse de demonstrar, em fazê-lo.

Frank Iero, o menino que havia crescido em Lyon, descendente de uma família italiana bem enraizada na França, que tinha tudo para sair por aí gastando a fortuna de meus ancestrais, havia decidido largar tudo para virar secretário particular de um riquinho esnobe e com ar misterioso. Não era o tipo de anúncio que podia ser encontrado em jornais, a forma com que eu o havia conseguido também não era muito peculiar. Mas digamos que minha vida nunca foi e nunca seria a mais normal do mundo, então era de se esperar.

E a situação até parecia entrar nos eixos da normalidade, quando o milionário Gerard Way me encontrou, subitamente, em uma cafeteria, tarde da noite. Claro, homens bem vestidos e cheios da grana, como Gerard, frequentavam ambientes humildes como aquele quase sempre, então era óbvio que eu ia pensar duas vezes em cair naquela conversa de que, abre aspas, eu era alguém bem afeiçoado, parecia um tanto quanto responsável e tinha dom para ser organizado com tudo ao meu redor, fecha aspas. Não sei de onde ele havia tirado aquilo, mas a conversa tinha como intuito me fazer acreditar que eu seria um bom acompanhante para a vida, insira risadas aqui, pacata daquele homem. Gerard fez com que eu caísse direitinho em todo o seu papo intelectual... Como uma criatura como eu conseguia ser tão ingênua assim?!

Animal I Have Become || FrerardWhere stories live. Discover now