Take my hand, I'll take you there

39 7 1
                                    

Ao passo que fazia força para empurrar duas toneladas pelo asfalto esburacado, Yongguk começou a analisar de soslaio o rapaz que o ajudava banhado à luz da brilhante lua cheia no céu.

Os olhos atentos percorreram o corpo esguio e magro de Himchan, que estava coberto por uma jaqueta jeans e uma calça marrom de algum tecido que o professor desconhecia; o pescoço estava escondido por um cachecol listrado. Os cabelos escuros e compridos cobriam-lhe a testa e flutuavam minimante enquanto caminhava com passos leves e silenciosos. As mãos eram frágeis e brancas, com as veias saltadas pelo esforço que exercia. Aliás, pensou Bang, ele todo é pálido. Como um vampiro!

Os pelos do corpo voltaram a se arrepiar de imediato e o homem teve que fazer um enorme esforço para expulsar os pensamentos da mente. Mas quando tentava fazer isso, as perguntas que com muito esforço se empenhava em evitar, vinham como uma enxurrada: o que Himchan fazia ali? Como sabia que Bang estava com problemas? Por que estava sozinho naquela estrada? Por que a lua brilhava com tanta intensidade naquele momento, sendo que estava desaparecida antes?

E a pergunta principal: por que a névoa, antes tão forte, havia sumido? Ao mínimo piscar de olhos toda a fumaça branca e fria havia ido embora, não deixando rastros de que existira algum dia.

Himchan pareceu perceber a análise nada discreta do homem, pois tentou conter um sorriso presunçoso com uma tosse, cobrindo a boca rosada com a mão direita. Balançando a cabeça para voltar à realidade e se focar no caminho que seguiam, Yongguk indagou totalmente desconfiado:

— Você tem certeza de que existe civilização aqui perto? — Passara o dia todo percorrendo aquela estrada e não havia visto sinal algum de vida além da floresta densa; era normal que se sentisse hesitante.

— Não quero parecer grosso, mas... — O rapaz pareceu ponderar uns instantes, escolhendo a melhor resposta. — Eu conheço esse lugar a mais tempo do que você. Bem mais tempo.

— Tu-Tudo bem. Desculpe-me. — Na realidade, Yongguk não se sentia culpado por ser tão desconfiado naquela situação. Era de sua natureza, não era algo controlável.

Continuaram o caminho em silêncio por mais alguns metros. Bang deu uma olhadela para o lado, visando observar Himchan um pouco mais. Ele demorou alguns minutos para perceber que estava empurrando o automóvel sozinho.

Virou-se a procura do outro e o encontrou parado no meio da estrada, com uma expressão sombria. Estava a dez passos de distância, mesmo assim o professor de música conseguia observar a feição contorcida do rapaz.

— Você tem certeza de que quer ir até a cidade? — Os olhos brilhantes de Himchan tornaram-se opacos e sem vida. Uma brisa fria passou por eles e seu cachecol balançou de um modo hipnótico, dançando conforme o sopro gelado. Por um momento, Yongguk sentiu que havia voltado no tempo e a névoa fria o estava rondando novamente. 

— Não posso ficar aqui, então é claro que quero ir! Não vou embora a pé. — Rebateu, estranhando a mudança de temperatura e principalmente a mudança de humor do rapaz.

Kim encurtou a distância, andando apenas três passos para frente. Outra brisa os acertou, de um modo mais forte, fazendo os cabelos do professor se levantarem.

— Você confia em mim?

— O quê?! Que raio de pergunta é essa? Nós precisamos ir...

Você. Confia. Em. Mim? — Perguntou mais pausadamente, vacilando o olhar e mordendo os lábios ao virar a cabeça e observar a densa floresta. Havia medo em seu semblante. Medo e dúvida. Yongguk acompanhou seu olhar, todavia não encontrou nada a não ser a escuridão profunda e as silhuetas gigantes das árvores.

— Sim, eu confio.

— Então podemos ir. — Sentenciou oferecendo um sorriso gentil para o homem.

A pequena cidade, que mais parecia uma aldeia, tinha todas as luzes apagadas. Não havia postes de luz e, pelo que parecia, nem energia elétrica. Ela era totalmente protegida pelas árvores gigantes e a sua entrada não era muito visível da estrada. Tinha uma quantidade razoável de casas, todas de madeira com os tetos triangulares e brancos. As ruas eram bem pavimentadas e, por sorte, não havia buracos ou irregularidades.

— A oficina fica ali. — O rapaz apontou para o lado oposto das casas, em uma área bem próxima a floresta. Empurraram por poucos metros, até Himchan correr na frente e largar o homem sozinho, mais uma vez. — Fica aberta 24 horas. Por que hoje...? — Kim saiu indagando alto e reclamando. Foi até o portão de metal da oficina e bateu. Esperou por alguns segundos e bateu novamente. Não havia ninguém ali. Yongguk teve que se esforçar muito para conter o gemido de frustração que queria escapar por entre seus lábios. Ainda estava pressionando a boca quando o rapaz voltou com a postura de um perfeito derrotado. — Teremos que dormir no seu carro até eles abrirem.

Teremos!? No plural? Você não mora aqui na cidade?

— Não exatamente. — O outro mordeu o dedão e ficou em silêncio. Não pretendia dar continuidade ao assunto. No entanto sentiu o olhar indagador de Bang sobre si e sorriu resolvendo explicar: — Eu moro no meio da floresta.

— Você pode voltar para lá, ficarei bem aqui.

— Minha companhia é tão péssima assim?! — Brincou, rindo em seguida. Yongguk ficou sem fala e tentou esconder o constrangimento olhando para a lua brilhante no céu; a paranoia estava o deixando sem educação e se tinha uma coisa que o professor de música não suportava, essa coisa era má educação. — Vamos lá, será divertido.

— Minha ideia de diversão não é dormir no meu jipe em um lugar que não conheço. E para completar: na companhia de um estranho. — Casualmente comentou, tentando soar engraçado. E de fato soou, já que o rapaz riu alto balançando a cabeça em negação.

— Sou Kim Himchan, seu salvador e sua companhia durante esta noite. Destrave as portas, podemos conversar até não sermos mais dois desconhecidos.

Vendo-se sem opções ou possibilidades, fez o que lhe fora sugerido. Destravou o carro e sentou no banco do motorista.

Ao contrário do que haviam combinado, ficaram em completo silêncio, absortos em seus pensamentos. Depois de alguns minutos, Himchan começou a cantarolar baixinho uma melodia que Bang não conhecia, mas que o relaxou. A cabeça começou a pesar, o estresse deu lugar ao cansaço e Yongguk dormiu.

Dormiu como pedra ao lado daquele estranho.

"Sentia frio. Muito frio. Escutava os próprios dentes rangerem involuntariamente. Os braços doíam, as pernas doíam, a cabeça doía. Não conseguia se movimentar ou falar. Queria gritar. Berrar por ajuda.

O que estava acontecendo? Por que seu corpo parecia estar congelado?

A neve que caia sem piedade impedia que tivesse uma visão ampla do ambiente ao redor. Não fazia ideia de onde estava. O coração batia frenético em seu peito, tomado pela adrenalina e pelo medo. Lobos uivaram em algum lugar próximo, contudo ele não sabia definir com exatidão.

Piscou os olhos diversas vezes seguidas, tentando pensar com clareza. O que está acontecendo? Perguntou-se de novo, atordoado pela imensidão branca que se estendia a sua frente.

Escutou algo cair ao seu lado. Um baque alto e violento contra o chão de neve. Forçou a cabeça para o lado e, com movimentos lentos, conseguiu olhar.

Era um corpo.

Uma pessoa encolhida, tremendo violentamente e gemendo.

Tentou abrir a boca para falar algo, mas a escuridão tomou conta de sua visão por completo".

Yongguk acordou ofegante e assustado em um sobressalto que balançou o automóvel todo. O seu corpo estava suado e o maxilar dolorido, talvez pela força com que fora tencionado. O professor passou as mãos no rosto para buscar calma e tentou se localizar. Estava sozinho em seu jipe e o céu mostrava sinais de que amanheceria em breve.

Seria mais um dia perdido naquele lugar infernal.

Like a MistOnde histórias criam vida. Descubra agora