Tudo novo

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Deitada na cama, ordens da enfermeira. Segundo ela eu ainda estava "muito fraca para ficar gritando e correndo pelo quarto", que foi o que aconteceu logo que acordei.

Meu pai chega depois de uma conversa com o médico e a cara dele indica que não vou ficar feliz.

- Filha, você não receberá alta. - disse, de longe, esperando um ataque de nervos.

- Por quê? - perguntei, com calma, porque eu não sentia vontade de nada ultimamente.

- Exames e acompanhamento psicológico para um diagnóstico dos traumas. - disse, rapidamente. Ele não gostava de falar sobre o traume e eu, obviamente, não gostava de ouvir. - Mas depois, Huntington Beach! - fingiu estar surfando e eu ri. Ele tem tentado muito me fazer rir.

Passei meus dias recebendo enfermeiras para exames de sangue (além de tudo, vai que o maldito de passou alguma D. S. T.?), urina e de imagem. Tudo tranquilo com o meu corpo, ao que parece, e minha área mais afetada fisicamente estava em recuperação.

Recebi todos os tipos de profissionais psiquiátricos em meu quarto. Contei a todos eles que eu sabia que tinha um policial guardando a minha porta. Eles perguntavam se eu sentia medo. E só de me olhar já me faziam chorar e lembrar daquele horror.

Ao fim, meu diagnóstico não foi muito promissor. Eu receberia alta, mas teria que seguir um acompanhamento psicológico intenso e ainda não estava prepada para frequentar a escola, então teria que terminar o primeiro ano de forma particular.

Pensava em Huntington Beach como algo muito bom me esperando. Minha vida começaria ali.

Dormi boa parte da viagem (fomos de carro para que eu não tivesse ataques sociais e eu juro que não sabia que estava tão afetada psicológicamente).

Chegando na cidade, absorvi cada partícula de ar. Moraríamos em um condomínio, meu pai acha mais seguro. Eu estava louca para conhecer meu quarto.

A sala já estava mobiliada e era linda. Na sala meu pai entregou-me um envelope:

- Primeiro presente de boas vindas.

Era alguma coisa de Justiça e juro que demorei para entender.

- Emancipada? - perguntei.

- Eu sempre viajei bastante, por causa da empresa, mas agora que saímos de Seattle vai piorar. Preciso que você esteja plena de si mesma. Mas só volto às viagens quando você estiver bem.

Com quatorze anos o processo já era viável. Eu estava prestes a fazer quinze. Eu era, segundo aqueles papéis, uma adulta.

- Ah, obrigada! - agradeci, sentindo-me ótima pela confiança de meu pai.

- Espero que também goste do quarto. - sorriu, no que corri escada a cima.

O corredor era comprido e haviam algumas portas. A primeira que tentei deu em um banheiro. Então na segunda, dei de cara com um quarto espaçoso.

Me joguei na cama de casal e ela me acolheu. O quarto tinha todas as paredes brancas, a decoração dava vida ao local. Na parede da cabeceira, um enorme deathbat. Em um canto, uma mesa com um notebook e minhas coisas da escola. Mais ao lado, uma penteadeira linda.

Havia ainda um sofá, com almofadas coloridas, uma TV, um PS3, um aparelho de DVD e todos os meus DVDs e CD's estavam ali. Minha estante de livros perto da cama.

Abri uma porta dentro do quarto e dei em um banheiro grande, todo meu. Em outra porta, um closet com minhas roupas.

- Gostou? - meu pai estava na porta.

- Amei. - corri para abraçá-lo. Eu estava em casa.

No dia seguinte, acordei às oito horas da manhã. Meu primeiro dia de aula particular. Não estava muito animada, mas tentei me concentrar ao máximo. A professora não era muito convidativa, as aulas eram muito orais, mas eu me esforçava.

Apesar de tudo, amei minha psicóloga, Anne. Eu sei que fazia parte de seu trabalho, mas em uma semana ela já era minha melhor amiga, já que precisava falar de tudo com ela.

Seis meses se passaram resumidos em acordar às oito, descer para a aula, almoçar, receber a psicóloga, jogar/assistir algo, ler, jantar, estudar, dormir, então Anne quebrou a rotina.

- Vamos conversar dando uma volta no condomínio? - falou, soando como "Vamos ver se consegue lidar com a presença de gente?", achei que seria tranquilo, eu não tinha trauma de pessoas, tinha trauma dele.

Íamos andando pelas ruas do condomínio, conversando sobre a beleza das casas, quando avistei um garoto ao longe. Minha psicóloga logo me fitou, mas eu estava apenas tímida.

Baixei a cabeça, levantei e, olhando na mesma direção, vi o Pedro.

Memories You HoldOnde histórias criam vida. Descubra agora