Mudança

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Fiquei deitada no chão, doía até para pensar. Reuni um pouco de forças e consegui raciocinar. Eu precisava sair daquele lugar, mas estava destruída e longe de casa.

Lembrei de meu celular. Levantei com dificuldade, procurei por minha mochila, mas não a encontrei. Gritei, de raiva. Caí sentada no chão, percebendo o quão fraca estava. Comecei a chorar novamente.

Além de acabar com o meu corpo e me deixar semi-nua, ainda levou minha mochila com minha única oportunidade de contato. Quis me deixar presa ali.

Eu já estava arruinada, então sinceramente sair só de camiseta na rua não seria o maior dos meus problemas, mesmo que tornasse ainda mais deprimente minha situação.

Agradeci por minha camiseta ser grande o suficiente para tapar até a minha bunda. Tentei levantar, me apoiando na parede. Fraca, consegui abrir a porta da velha casa. Dei de cara com uma rua de trânsito rápido. Eu me sentia como um zumbi.

Eu estava visivelmente péssima. Não conseguia erguer as pernas, andava arrastando os pés e me apoiando nas árvores que contornavam os acostamentos. Percebi que a qualquer momento demoronaria no chão.

Muitos carros passaram por mim: alguns em silêncio, outros buzinando, outros me chamando de prostituta, de vadia, de drogada, de deplorável. Nem um parou para perguntar o que estava acontecendo. Muitos julgamentos, mas nenhuma ajuda.

Eu chorava novamente, com raiva deles, com raiva do Pedro, dos homens, de mim. Principalmente com raiva de mim. Andava sem rumo, procurando alguém que me ajudasse, mas mal enxergava, ou escutava, ou me movia.

Percebi algo quente escorrer por minhas pernas. Estava sangrando.

Idiota. Idiota. Idiota. Idiota. Idiota.

- Sabine!? - alguém gritou. Eu conhecia aquela voz, parecia desesperada, mas não conseguia associar a nem uma pessoa. Parei na esperança de ajuda.

- Cássia? - em minha visão turva, identifiquei cabelos vermelhos. Ela tocou meu braço e eu a afastei. Comecei a chorar desesperadamente. - Você sabia! Me deixou com ele e sabia de tudo! - minha voz saía enrolada.

- Eu vou te ajudar, calma. - ela parecia chorar também.

- Você sabia... - falei, antes de minha visão ficar preta e eu me sentir cair em direção ao nada.

Abri meus olhos pesados. Pisquei várias vezes para me acostumar com a luz. Parecia ter dormido meses, mas em cascalho. Estava em um hospital. E sozinha.

Senti uma vontade insuportável de vomitar, mas não conseguia pensar em me mover. A náusea era forte, mas havia um soro em meu braço. Tapei a boca, no que senti alguém me puxar para uma cadeira de rodas e me arrastar para o banheiro com o soro.

Me joguei em frente à privada e vomitei tanto que parecia que meu estômago sairia de minha boca a qualquer momento.

Alguém ainda me amparava, então fui para a pia lavar meu rosto e enxaguar a boca.

Ao olhar para o espelho fitei o rosto de um fantasma, sem cor, com olhos verdes foscos que não pareciam os meus, e cabelos embaraçados.

Passei mais uma água no rosto, sentindo que iria chorar. Passei a toalha para secar e parecia que machucava minha pele.

Me voltei para a pessoa que me amparava e o vi: olhos como poços negros e aquele sorriso diabólico, me devorando. Gritei com a imagem do Pedro comigo no banheiro do hospital, gritei e senti minha garganta machucada doer.

Caí no chão, arrancando o soro do braço e vendo o sangue escorrer. Voltei os olhos em direção a ele, mas vi Cássia.

- Calma, Sabine, está tudo bem. Eu ajudei a prestar queixa, ele vai pagar. - disse, se enrolando em palavras.

- De quê adianta? - perguntei. - Agora não adianta de nada.

- Eu não sabia, eu juro, mas já saiu no noticiário, a cidade está horrizada, alguém o entregará... - depois de "noticiário" eu não ligava para mais nada.

- Noticiário? - interrompi.

- Desculpe. Saiu no noticiário local. Desculpe. - repetia.

- Divulgaram meu nome? - eu estava confusa, lágrimas não paravam de sair.

Vi meu pai se aproximar, disse algo para Cássia e ela saiu. Veio até mim e me ajudou a levantar. Me levou no colo até a cama, enquanto uma enfermeira cuidava do meu braço.

- Foi algum jornalista idiota. - começou. Alguém divulgou meu nome e agora estou perdida.

- Pai, meu Deus, todos vão me olhar com... aquela cara e, meu Deus, depois de tudo ainda terei que aguentar isso? - eu não chorava mais, como se meus olhos estivessem secos.

- Filha, não vou deixar que você passe por isso. - disse. - Você está sendo sedada para permanecer calma há alguns dias e...

- Quantos dias? - o interrompi.

- Cinco. - falou. - Você estava muito nervosa. Os médicos precisavam cuidar de seus ferimentos antes de você se alterar novamente. - explicou. - Eu já processei o jornalista. Ele retirou seu nome do noticiário, mas o dano foi feito. - suspirou. - Vamos receber indenização, mas sei que não muda nada.

- O que vamos fazer? - perguntei, destruída.

- Nós vamos embora, minha filha. Falei com a empresa, temos uma filial na Califórnia, vou presidir de lá. - contou, deu-me um sorriso esperançoso. - Acho que você vai gostar da cidade para onde vamos.

- Qual? - tentei sorrir.

- Huntington Beach, querida. - falou, acariciando meu rosto.

Meu pai sabia da minha paixão pelo Avenged Sevenfold e achou que ir para Huntington Beach seria o ponto alto da minha vida. Uma pontinha de alegria surgiu em mim, afinal foi lá que tudo começou para eles, quem sabe encontraria na cidade o meu recomeço, então tentei parecer otimista.

- Obrigada, pai.

Ele beijou minha testa e disse que ia pegar um café, mas eu sabia que ele ia chorar.

Memories You HoldOnde histórias criam vida. Descubra agora