Quatro - Pedido aceito

30 3 0
                                    


Eu queria sumir. De todos os lugares possíveis que eu poderia estar ao lado de Noah era o menos desejado. Eu não queria mais vê-lo, não queria mais ouvi-lo, só por hoje, apenas por hoje. Depois do beijo, eu me sentia constrangida demais para dizer uma palavra sequer. Meus pensamentos estavam confusos, era um misto de saudades com magoa. Eu sentia magoa dele, por tudo que tinha acontecido entre nós, mas também sentia saudades. Do mesmo modo que eu queria que ele não estivesse aqui, eu queria que ele estivesse. Fui à pessoa que mais sonhou e desejou isso, por tanto tempo. Eu queria um natal com minha família, eu queria que o Noah fizesse parte dela. Mas hoje, agora, tudo que eu também queria era que ele sumisse. Eu não estava pronta para encara-lo, para conversar com ele. Eu queria que ele não parasse de me beijar, e queria que ele nunca tivesse beijado. Eu precisava da minha amiga comigo, eu precisava desabafar. Ainda assim, com todos esses sentimentos confusos, eu permitir que ele me acompanhasse até o mercado. Faz sentido? Eu sabia que não.

Ficamos calados durante todo o momento que estivemos no mercado e na volta para casa. Não tínhamos mais assunto, e eu me sentia melhor assim. Já estava quase anoitecendo quando chegamos em casa.

- Mamãe! – Jonny gritou alegremente quando me viu passar pela porta. – Pa-papai! – deixou os blocos de lego no chão e correu até nós.

- Quanta demora. Ele já perguntou quinhentas vezes por vocês. – meu pai resmungou de sua poltrona.

- A fila estava muito grande – caminhei até a cozinha, Jonny e Noah me acompanharam. – Mamãe comprou um monte de coisa gostosa pra você. Quer ver? – coloquei as sacolas na mesa. Jonny assentiu mostrando os poucos dentes que tinha na boca. Peguei um pacote de biscoito e dei a ele.

- Eu vou ver se a minha roupa já secou. – Noah colocou as sacolas que carregava em cima da mesa e saiu da cozinha.

Respirei fundo. Olhava para Jonny. Ele me olhava inocente saboreando seu biscoito de morango, sem perceber os problemas que tinha ao seu redor. Eu tinha um pouco de inveja. A melhor fase de nossas vidas era a infância, o problema é que só percebemos isso quando nos tornamos adultos.

- Fica sentadinho aí. – o pus na cadeira. – Não sai daí que a mamãe vai arrumar as compras. - ele estava muito concentrado em seu biscoito e aposto que nem prestou atenção no que eu disse.

Terminava de arrumar as compras quando Noah entrou na cozinha.

- Eu já estou indo. – ele estava vestido com suas roupas. – Elas secaram rápido. – ele apontou para si mesmo. – Deixei o presente de Jonny debaixo da árvore para ele abrir depois, já que eu não vou estar aqui para dá-lo. – ele falou a última parte quase sussurrando para Jonny não perceber.

- Tudo bem – falei um pouco desconfortável. Se antes eu não sabia agir perto dele, depois da nossa conversa e do beijo, eu não conseguia formular frases.

Ele se aproximou de Jonny, se ajoelhando para ficar na altura dele. Jonny já tinha terminado seu biscoito e seu rosto estava todo lambuzado.

- Ei, filhão o papai já esta indo embora, mas promete que não vai demorar muito pra te visitar. – ele passou a mão pelos cabelos de Jonny e beijou sua testa. – Se cuida, hein. Feliz natal! O pai te ama muito.

Jonny abriu os bracinhos quando Noah ficou em pé, o chamando. Noah sorriu o segurando no colo. Eu tentei não criar nenhum vínculo emocional com aquela cena, porém era a coisa mais linda de se ver.

Noah passou por mim segurando Jonny nos braços.

- Feliz natal, Will – ele se despediu do meu pai.

- Já vai Henson? – meu pai lhe perguntou. – Pensei que iria ficar um pouco mais. – ele olhou pra mim. Fingir que não percebi.

- É, mas já estou indo – Noah também olhou pra mim.

Que é? Eu não estou o expulsando.

- Você já tem onde passar o Natal? – meu pai se ajeitou na poltrona.

- Não. Eu não liguei para os meus pais pra avisar que eu vinha, mas eu dou um jeito – ele pegou sua bolsa. – Então, feliz natal a todos! – ele foi até meu pai e apertou sua mão. Meu pai olhou para mim novamente. "Que é?" perguntei fazendo gestou labial, "Pare de me olhar". Ele entortou os lábios e voltou a encarar a TV. Noah se aproximou de mim e me entregou Jonny.

- É... – ele passou a mão na nuca. – Feliz natal mais uma vez.

- Feliz natal pra você também – disse sem jeito. – E quando quiser ver o Jonny é só me ligar antes.

- Está certo...

- Só para saber se eu estou em casa ou não...

- Entendi...

- Só por causa disso mesmo, por que você sempre pode ver o Jonny. – desatei a falar. Para quem não estava conseguindo formular frases, eu estava muito bem. – É só pra avisar mesmo, você entende né?

- Filha ele já entendeu – meu pai resmungou.

Cala a boca pai. Sentir vontade de dizer. Presta atenção na sua TV idiota.

Abaixei minha cabeça, olhando para os meus pés.

- Bate aqui com o papai – Noah estendeu a mão e Jonny bateu. – É isso filhão.

Noah caminhou até a porta pegando seu casaco e cachecol. Quando ele abriu a porta e deu um passo, apenas um passo, Jonny começou a chorar.

- Papai! – ele abriu os braços, chamando pelo pai.

- Tchau, filho – Noah virou olhando um pouco triste pra ele.

- Papai, papai – Jonny começou a chorar desesperadamente.

Noah me olhou e eu não sabia o que dizer. Jonny começou a se debater nos meus braços pedindo para soltá-lo.

- Sota, sota, papai. Sota, sota eu... Sota!– ele estava começando a ficar vermelho.

- Ei... – Noah se aproximou da gente. Pegou Jonny no braço que parou de chorar no mesmo instante e posou a cabeça em seu ombro. – Eu volto amanhã, está bem?

Jonny continuava do mesmo jeito. Noah me olhou como se esperasse que dissesse algo, mas eu não sabia o que falar. Como dizer para uma criança que ele não vai ficar, por que a sua mãe não quer que ele fique?

- Acho melhor você ficar por ai, Henson. – disse meu pai. – Jonny nunca passou um natal com você. Sei que ele é muito pequeno para entender as coisas, mas ele gosta de você e sente saudades do pai.

Meu pai estava certo, mas ele poderia ficar calado naquela hora. Não era o momento para ser sábio.

- Eu volto amanhã – Noah me entregou Jonny novamente. Que tornou a chorar no mesmo instante.

- Papai, sota, chão... – ele voltou a se debater em meus braços aos gritos. Eu não podia ficar vendo o meu filho assim sem fazer nada.

- Noah! – chamei por ele. Soltei Jonny no chão que saiu correndo quase tropeçando em seus próprios pezinhos. Chegou perto de Noah segurando em suas pernas aos prantos.

- Fica, por favor – pedi derrotada. Eu não queria que ele ficasse, mas não podia deixar Jonny naquele estado. Nunca o vi chorar daquele jeito, e aquilo apertava meu coração. Ele não estava gritando por birrar e sim, porque queria que o pai ficasse. Como resistir a isso?

- Tem certeza? - ele segurou Jonny nos braços e me olhou.

- Tenho. Fica por ele, por favor.

- Não precisa repetir – ele olhou pra Jonny. – Viu, não precisa chorar mais. Papai vai ficar. – ele começou a fazer cócegas no filho que imediatamente voltou a sorrir.

Sentindo-me mais que vencida, deixei eles na sala e caminhei para cozinha.

Light on My HeartOnde histórias criam vida. Descubra agora