14. EU ACHO QUE PIREI

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ALEXANDRA

—E há algum motivo, além do período de provas, para que você esteja evitando sair de casa? — Deise me pergunta em nossa sessão semanal, arrumando sua postura na cadeira atrás de sua mesa.

Duas semanas se passaram desde a festa do Lucas Roberto e há duas explicações para que eu esteja evitando sair de casa, exceto para ir ao colégio: estou com medo de encontrar Diego pela rua em uma situação em que ele possa me abordar e também não quero encontrar Pedro depois da minha confusão mental, que me levou a beijá-lo.

—Não—, minto para a psicóloga na cara dura. Se começar a falar sobre a festa, vou chegar nas memórias do meu desespero e sei que perderei o único fio de sanidade que ainda me resta, se é que realmente ainda resta um. —Só quero me concentrar nas provas, porque isso anda me deixando um pouco nervosa. Como você bem sabe, esse é o meu último ano do ensino médio e há toda uma pressão sobre o ENEM e se vou para a faculdade... — Dou de ombros como se tudo se explicasse por si só e Deise assente, mas é como se ela pudesse ler a palavra mentirosa escrita em verde neon no meio da minha testa.

O fato é que eu não posso sair falando sobre os verdadeiros motivos de estar me isolando em casa, nem mesmo para quem é pago para me ouvir. O meu princípio ao lidar com problemas é sempre buscar ignorar a existência deles ao invés de enfrentá-los, iludindo a mim mesma de que assim os farei desaparecer. Mesmo que não funcione, não vai ser agora que vou sair da minha zona de conforto.

—Sei... — Ela anota algo em seu computador e depois me mira e sorri de forma comedida. — E como os seus amigos estão quanto a ficar longe deles ultimamente? Sei que passam bastante tempo juntos, pelo que me falou das outras vezes.

—Eles entendem. Conhecem o meu jeito—, dou de ombros, nada preocupada. A verdade é que só não posso dizer que estou fugindo de João e Charlotte também porque não posso evitar encontrá-los na escola. — Mesmo sem minha presença frequente, os dois continuam brigando, a Charlotte ainda acha que será famosa no YouTube e o João permanece indo para a pista de skate.

Deise assente.

Em seguida, ela me faz perguntas sobre o grupo de artes e, de alguma forma, me faz considerar a ideia de retornar às reuniões só para não me sentir tão inútil comigo mesma – sendo essas palavras minhas, não dela.

Por fim, a psicóloga ajusta seus óculos, analisa tudo o que anatou na tela do computador e depois fala:

—Estou entendendo que quer ser sucinta hoje, mas há algo mais que queira falar a respeito? Os remédios ainda estão funcionando como devem?

Hesito somente alguns segundos em responder, porque, depois do que aconteceu na festa, a dosagem do ansiolítico não anda funcionando muito bem para acalmar a minha mente. Todavia, são segundos suficientes para causar desconfiança em minha psicóloga, que me lança o seu olhar de "É melhor você falar a verdade, mocinha!". Mas eu não seria eu, se falasse a verdade.

—Está tudo bem—, desvio o olhar para o quadro que ela possui na parede atrás de si, uma réplica dos girassóis amarelos de Van Gogh.

—Ainda assim, por estar se aproximando do período de renovação da receita, vou pedir que antecipe a sua consulta com o Maurício, está bem? Ando observando mais sinais de ansiedade em você do que o normal, então pode ser uma boa precaução.

Quero protestar, mas não o faço por saber que será em vão. Se tem uma coisa que eu aprendi em todo esse tempo que eu faço as seções com Deise é que é impossível esconder algo dela, a menos que você seja uma ótima atriz, coisa que eu definitivamente não sou.

FOGO ENCONTRA GASOLINA [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora