Uno!

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- Pode sentar, Sr.Armstro... quero dizer Billie. - Apontei para o divã na minha frente, indicando que se sentasse. Ele encarou apenas por um segundo, saltando o olhar do sofá para mim, de mim para o sofá. E então, sentou-se cruzando a perna de seguida. Ele parecia descontraído, talvez demais. Talvez, não precisasse assim tanto de uma consulta. - Então vamos começar, importasse que grave? - Ele não falou nada apenas ficou a olhar como se ponderasse o que responder. - É para uso pessoal Billie, não tenciono vender a conversa nem coisa que se pareça além de que o sigilo profissional não mo permite.

Uma espécie de sorriso aparece nos seus lábios e eu activo o dispositivo.

 - Quarta-Feira, Dezassete de Fevereiro de 2016, 16:15, Billie Joe Armstrong, 44 anos, primeira sessão. - Paro um segundo e aclaro a garganta. - Peço que ignore o gravador, e que seja sincero nas suas respostas. Só assim o poderemos ajudar. Vamos começar então, o que o levou a recorrer ao Annamnese? - Aguardo pela sua resposta mas ele não fala, a ponta da esferográfica paira sobre o papel. Espero um pouco e nada, elevo os meus olhos até ele e tento com esforço incentivá-lo a falar.

- Honestamente, não sei bem. - Não sabe bem? Mas que porra?? O meu desagrado deve ser notável porque ele mexe-se no divã. - Quero dizer... Acho que foi após ler o seu artigo. - Bom! Então eu sempre tinha razão.

- Entendo. - Penso em voz alta. Nestes casos o melhor é recorrer ao passado. - Billie, conte-me como foi a sua infância?

- Bem... Eu sou o mais novo de seis filhos, a minha mãe era empregada de mesa, o meu pai era baterista de uma banda de jazz. Realmente, não há muito que contar. - O seu tom de voz é seco o que me leva a querer saber mais.

- Seis crianças? Não deve ter sido fácil. Como descreve a sua relação com os seus pais? - Pergunto enquanto faço apontamentos.

- Não tínhamos muito mas, também não passávamos fome, tu sabes, as coisas estavam bem e até éramos felizes. Até que o meu pai adoeceu e morreu quando eu tinha dez anos. - Aí está!! Isso é um marco psicológico.

- Lamento. E como é que te sentis-te? Como lidas-te com a morte do teu pai? - Pergunto desta vez olhando-o directamente nos olhos. Mágoa, ressentimento e tristeza. É isso que vejo e de repente uma imagem de um Billie com apenas dez anos aparece na minha mente.

- Da única forma que podia, seguindo em frente. - Espera! Isso é muito banal. Ele pausa por um momento, e esfrega as palmas das mãos nos seus jeans desgastados. - A minha mãe teve que conseguir um segundo emprego para nos sustentar aos seis. Não foi fácil. Foi duro. A única coisa que me aguentava era a música.

- Billie. Eu quero que me diga o que sentiu. E tem que ser sincero. Sentiu sei lá... Raiva? Medo? Tristeza? O que quer que seja quero que no diga. - Os seus olhos escureceram. A sua boca formou uma linha fina, e, ele ficou visivelmente perturbado. Atingi um ponto. Óptimo!

Ele abriu a boca e voltou a fechá-la de seguida. Respirou profundamente. Passou a mão pelo cabelo uma e outra vez. Olhou para o cinzeiro pousado na mesa de centro, e pousou os olhos em mim.

- Se quiser. Pode fumar. - É comum em casos de stress o paciente recorrer a algo que lhe proporcione conforto. Sem esperar, ele retira um maço vermelho, Marlboro, do bolso e acende o cigarro. Inspira um vez, e expira o fumo lentamente. Sem entender, o porquê. Alguma coisa naquele gesto tem um toque sensual. Afasto as energias estranhas e pressiono um pouco mais. - Agora. Conte-me.

- O primeiro sentimento foi raiva. Raiva por Deus. Principalmente. Raiva por Ele levar o meu pai, o meu herói. E por o fazer sofrer tanto. Acho, que aos dez anos, foi a primeira vez que questionei Deus. Depois, veio a culpa. Porque não lhe disse tudo o que queria. Mais tarde apareceu o remorso e a revolta. Depois esforcei-me por esquecer seguir em frente. - Parou uma vez mais, tragou mais um pouco do cigarro, agora pequenos círculos de fumo circulavam pelo espaço. - E agora depois de tantos anos, apenas sinto saudade.

Precisava de continuar, o início de conversa estava bom. A sua infância foi marcante e dolorosa, agora preciso de saber algo acerca da adolescência.
- E a adolescência, como foi?

- Posso dizer que não fui propriamente um menino exemplar, depois da morte do meu pai. A minha mãe estava mais ausente. Não a Condeno porque seis filhos de idades tão diferentes não é fácil. Então para mim tempo livre, representava problemas. Eu roubei, fumei, usei drogas, Reprovei na escola... - Agora os meus olhos caíram sobre os dele. Instintivamente os seus braços estavam no ar em sinal de defesa. - Doutora, só não matei! Isso nunca fiz.

Revirei os olhos internamente, e prossegui. - Tem alguns pontos para o seu currículo. - Falei antes de me conter.

- Está a censurar-me Doutora?

- N-ão Billie. - A minha voz falhou. E o calor subiu para as minhas bochechas.
Merda! Controla-te Anna!

- Não me orgulho, de todo. E não me ofendo se censurar. Vivemos numa sociedade, onde todos censuram todos, gosto de lhe chamar sociedade idiota! - Ele riu. Deve ser uma piada interna porque não compreendi. Olhei para o relógio, faltam dez minutos para terminar.

- Estamos a dez minutos do fim. Como se sente depois da nossa conversa?

- Realmente? Bem melhor do que esperava. Eu gosto de falar consigo.

- Pretende agendar outra consulta?

- Claro!

- Muito bem, sexta-feira dia 19 de fevereiro, pelas 16:00h pode ser?

- Pode sim.

Puxei um cartão de visita, e entreguei-lho.
- Sempre que precisar, por favor não hesite em contactar. Tem o número S.O.S em caso de situações de elevado grau de estresse.

- Obrigado. Vemos-nos na sexta.

- A propósito, feliz aniversário Billie.

Outro aperto de mão foi dado, e ele saiu porta fora. Cansada, deixo-me cair no sofá atrás de mim. Com a triste imagem de um rapazinho de dez anos destroçado pela morte do pai, a correr pela minha mente.

 Com a triste imagem de um rapazinho de dez anos destroçado pela morte do pai, a correr pela minha mente

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Queridas e queridos, todos os que tão amavelmente lêem a minha história. Obrigada estão no meu ♥!!
Esta última foto é o Billie pequenino não é adorável??
Bjs

ANAMNESE CLINICAL PSYCHOLOGY (Em Pausa)Onde histórias criam vida. Descubra agora