24 de outubro de 1987
Goiânia - Goiás, Brasil(narração da Vanda)
Recém-grávida, é o que eu sou agora. E estou no enterro da dona Gabriela e de sua sobrinha, Leide. Dona Gabriela era minha vizinha, todo fim de semana eu a visitava para tomar café e falar da vida dos outros, nossa amizade era resumida em sinceridade. As vezes eu me encontrava com Leide. Eu a chamava de canguru, pois ela não parava de pular e brincar, nunca gostou do apelido (mas também, né?), mas era um amor de criança.
É muito triste ver enterros, ainda mais daqueles que foram importantes em nossa vida. Nós até indagamos besteiras como: "por que justo ele ou ela?" ou "há tantas pessoas más neste bendito mundo". A verdade é que não há pessoas más neste mundo...
Ah, a quem estou querendo enganar?
É óbvio que existe (apesar de termos um certo desafeto por esse alguém ou mesmo elas sendo más), mas eles também são importantes para outras pessoas. Mas isso não vem ao caso.Nem pude olhar pela última vez em seus rostos, a polícia estava por lá e só permitia alguns parentes, também estou contaminada e tenho medo de que algo ruim aconteça ao pequeno ser que está dentro de mim.
Quando me dou conta vejo um guindaste surgindo na rua, pronto para colocar nos túmulos de mármore os caixões gigantes de concreto e chumbo, tudo isso para bloquear a emissão de material radioativo. Sem contar que há uma platéia assistindo a cena (e sim, eu faço parte da platéia).
Meu marido me chama, fazendo com que eu volte a realidade.
Raimundo: Vamos Vanda, temos que ir, já está ficando tarde e amanhã cedo temos que partir da nossa rua imunda.
Afirmo com a cabeça. Raimundo não vai muito com a cara do Devair (marido da dona Gabriela) a menos quando o Devair chamava-o para tomar cerveja e assistir futebol, aí sim eles eram os melhores amigos do mundo. Mas após o acidente radioativo ter causado prejuízo em nossas vidas, partiram para a briga, briga mesmo, com participação especial da polícia e suas duas multas.
Eu tentava desiludir, mas o Raimundo dizia coisas do tipo "ele é o culpado", "por causa dele que agora tenho câncer" ou "ele destruiu a minha família". Eu tentava tirar isso da cabeça dele, que a culpa não foi dele, que ninguém tinha noção da situação, em vez de realmente se preocupar com seus problemas de saúde, ele ia no bar mais próximo encher a cara.Enquanto aproximavamos da nossa casa, haviam outras moradias, algumas já estavam abandonadas, outras ainda tinham seus donos. Poucos sortudos puderam pegar seus pertences, mas a maioria tiveram que abandonar seus móveis, roupas, fotos, documentos, tudo (o que era o nosso caso). Agora todos os nossos pertences são "lixo radioativo".
Se não fosse a minha irmã caçula, Valéria, nós dois ficaríamos na rua. Ao contrário de mim, ela conseguiu ter uma boa vida e um diploma de cirurgiã. Tenho inveja e ao mesmo tempo orgulho dela.Ao chegar em casa, fui tomar um banho rápido e coloquei minha roupa que comprei hoje de manhã, já que não podemos mais usar nossas roupas. Em seguida, deitei em uma rede no fundo da casa, já que não podia tocar nos móveis, mas mesmo assim era arriscado dormir por lá tanto para mim quanto para o meu bebê. O objetivo de hoje era de ir passar a noite no hotel, infelizmente não deu certo depois de informarmos ao gerente que somos vítimas da recente tragédia, nos expulsou. O jeito era passar na casa da Valéria, mas como tenho um marido muito orgulhoso, o jeito foi ficar aqui até amanhã.
Olhava para a nossa casinha a poucos metros da gente, olhava tanto que as minhas pálpebras começaram a pesar.
Vanda: Boa noite, Raimundo.
Raimundo: ZzZzZz...
Daqui a pouco vem a sessão de roncos dele.
Ahhh! meu Deus, não sei se vou aguentar todo esse sufoco, abandonar nossa casa, meu marido com câncer, eu esperando um filho nosso, é muita pressão para pouco tempo.
Não aguentei e desabei em lágrimas. Chorei, chorei, até cair no sono. Mas antes de dormir, ouvia algumas vozes estranhas, mas ignorei.
Amanhã vou dar adeus a este lugar.
. . . .
XXX: É impresionante como apenas 19 gramas de césio destruiu milhares de vidas.
XXX: Imagina pra aqueles que estavam no acidente de Chernobyl. Tenho medo de que o lago Karachay possa fazer estragos maiores do que os dois.
XXX: Eu quero ficar aqui e olhar para ela pro resto da vida.♥♥♥♥♥♥♥♥♥♥
GENTE! Primeiro capítulo do meu primeiro livroo *u* Espero que tenham gostado!
"Prove que você não é um robô "
Deixe uma estrelinha, não custa nada ahsuhaushaus ;)
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Imune
Science FictionO famoso acidente radioativo césio 137 na Goiânia, contaminou milhares de pessoas e chocou o mundo. Naquele período, Agnes estava se formando dentro do ventre de sua mãe, ambas também foram vítimas da radiação. Durante o feto, seu minúsculo organism...