Sensação caótica.

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Eu estava começando minha rotina de todos os dias, era quase automático. Meu despertador tocava, eu desligava ele e ia direto pro banho. Pegava qualquer roupa do meu guarda-roupa e descia pra cozinha tomar uma xicara de café amargo. Enquanto bebia o café tentava lembrar meu sonho, dessa vez eu não conseguia lembrar. Todo dia quando acordava escrevia-o em detalhes, mas hoje, por algum motivo, minha mente estava em branco.
Peguei minha mochila e corri para a garagem pegar minha bicicleta. Essa ideia de pedalar todos os dias até a escola era a melhor que ja tive. Sempre saia uns quinze minutos antes, só para ir pelo caminho mais longo e poder respirar profundamente antes de ir pro lugar monótono em que estudava. Era meu ultimo ano, parecia não ter fim. Talvez fosse ansiedade querer logo ir para uma faculdade, só que eu não tinha ideia do que queria fazer da vida. Nao tinha influência dos meus pais e nem um talento ou vontade. Era frustrante a idéia de que eu poderia não ser nada na vida.
Estava com uma sensação estranha enquanto me aproximava da escola, senti um arrepio inesperado. Apesar de estar bem frio, este arrepio foi diferente e estranho. Os alunos caminhavam tranquilamente e conversavam baixo e se não estava imaginando coisas, eles olhavam para os lados como se procurassem alguem.
Eu ignorei, ou tentei pelo menos. Até meu amigo Carl vir correndo ate mim com o mesmo olhar curioso dos outros.
- Qual é, você também?
- Como? - Perguntou-me ele sem entender.
- Porque todos estão olhando pro lado caóticamente?
- Uma garota - ele olhou frenético pro lado. - Acabou de chegar de um reformatório.
- Ah, mas o que tem isso? - Ele me olhou cético.
- Um reformatório, sabe porque as pessoas vão pra lá?
- Sei - pensei por um momento. As pessoas aqui sao paranôicas, essa garota só deve ser mais uma igual a eles.
- Todo mundo acha que ela é um tipo perigosa, encrenca.
- Faz tempo que não acontece nada nessa cidade, por isso estão eufóricos por causa dessa garota?
- Porque você é assim Caleb? Ta sempre entediado com tudo. - Eu ri, porque em parte era verdade. Nada ali me agradava, as pessoas não eram interessantes. Meu unico amigo era Carl e fico surpreso em como nos damos bem, na maioria das vezes.
- Você me conhece tão bem Carl - sorri pra ele. - Nao é a toa que é meu único amigo.
- Eu ate me surpreendo com isso - ele riu. - Entendo seus motivos pra não gostar daqui, mas é o nosso último ano. Relaxa um pouco e seja como todo os formandos.
- Estou sendo, e como todo mundo não vejo a hora disso tudo acabar.
Carl me deu um soco no braço, dizendo "valeu pela consideração". De fato sempre fui muito sério e fechado. A cidade em que vivo é pequena, todos se conhecem e de algum modo isso é ruim. Todo mundo sabe quem é você, conhece sua familia e conhece sua reputação. A minha não é boa, nem mesmo a da minha familia.
- Vamos pra aula - disse ele me tirando dos pensamentos perturbadores. Então o segui, fugindo da minha perturbação interna. Só mais alguns meses e eu poderia ser um nada bem longe dali.
Sentei na carteira que sempre costumo sentar e Carl sentou á minha frente. Virou pra trás para nossa habitual conversa.
- Será que a Sra. Deener vai vir bêbada outra vez?
- É a rotina dela, dar aulas bêbada - rimos daquilo. Sra. Deener era viúva e depois que seu marido se matou ela nunca mais largou a sua inseparável amiga, a cachaça.
- Toda vez caio na gargalhada com isso, porque ela não se trata? - Eu tinha uma resposta, talvez até iria dar uma lição sobre a situaçao dela. Mas a professora logo entrou na sala.
Eu olhei pra ela, ela estava sã ainda. Sinal de que iria passar uma prova surpresa, quando está bêbada ela nos manda ler páginas do livro enquanto fica sentada em sua mesa com a cabeça apoiada nas mãos. Dez segundos depois uma garota entrou na sala, uma garota magra, cabelos negros e pele muito branca. Branca como a neve que caia lá fora. Ela parou ao lado da mesa da professora e até então não conseguia ver seu rosto. Usava uma calça preta, um sobretudo preto e botas de neve. Bem comum pra falar a verdade, pelo menos as roupas. Obviamente ela se vestiria assim como as outras garotas da escola.
Mas quando virou seu rosto, confesso que fiquei maravilhado, seus olhos expressavam curiosidade e sua boca era tão linda e vermelha. Me vi débilmente fascinado pelo rosto delicado e levemente corado dela.
- Bom dia alunos - comprimentou a professora amargamente, como sempre.
- Bom dia - respondemos sem muita vontade.
- Esta é Ramona Black, aluna nova que terminará seu último ano com vocês. Pode se sentar Srt. Black, em qualquer lugar.
Ramona olhou em volta, com um leve sorriso. Por que ela estava sorrindo? Nao sabia que aquela era a pior sala da escola? Creio eu que não. Ela seguiu pelo corredor das carteiras e sentou-se exatamente na fileira ao meu lado. Eu encarei o quadro negro, por algum motivo ele parecia bem interessante naquele momento.
- Caleb? - Carl balançou a mão em frente ao meu rosto. - Está tudo bem?
- Claro, por que não estaria? - Suei frio, um arrepio gélido percorreu meu corpo. Porque essa sensação tão estranha?
Senti um olhar, olhei para o lado e Ramona me encarava com um meio sorriso e uma vaga lembrança de um sonho passou pela minha cabeça.

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