Eu não sabia que a casa de Clarice era tão longe. Já são 18 horas e a noite chegou.
A minha casa tem três cômodos, mas geralmente uso apenas um, o meu quarto. As paredes verde petróleo o deixa com uma tonalidade triste e solitária. Há apenas uma janela, ela é de vidro e escondida por uma cortina cinza escuro.
Me jogo na cama e tiro o folhetim com o telefone da Clarice, deixo sobre o criado mudo. Pego o meu celular e vejo que há uma mensagem da caixa postal avisando que tenho um recado. Quem poderia ser?
"Oi, sou eu, Andrei. Faz algum tempo que não nos falamos, certo? Preciso encontrá-la, tenho algo urgente para lhe dizer".
Andrei era um amigo que perdi o contato faz cinco anos. Ele mora na cidade de onde vim. O que poderia ser? Aproveito que tenho o telefone em mãos e ligo para o Dr. Van Dijk.
Ele atende com uma voz abafada, digo que estou precisando de uma consulta com urgência, então ele marca para as 21 horas. Eu não consigo voltar a trabalhar, tudo que aconteceu hoje eu ainda não digeri. O telefone toca, uma mensagem.
"Entre em contato comigo, é urgente. Andrei"
O que ele quer tanto? Lembro que quando éramos amigos e nos envolvíamos em algo complicado de resolver corríamos para um riacho que ficava escondido distante da cidade, poucos o conheciam, aquele era o nosso refúgio, quando lembro posso sentir a umidade da água como se eu estivesse naquele lugar agora.
As pessoas costumavam falar que eu tinha uma vida boa, mas nem tudo que reluz é ouro. A solidão que vivo hoje me conforta mais que aquelas pessoas que me cercavam. Eu já fiz coisas terríveis e imperdoáveis, se eu me aproximar de alguém sei que vou colocá-la em perigo, a senhora do ônibus não foi a primeira. Eu vivia em uma gaiola feita de bronze e diamantes, a água era a da mais pura, porém eu não tinha o céu para voar. Em um estalar de dedos eu possuía o que o dinheiro pudesse comprar, mas, jamais o dinheiro conseguiu apagar o sangue do sobrenome da família que eu pertencia. Quando criticavam eu imaginava que era inveja, mas tudo que sentiram foi nojo.
Levanto e vou para a cozinha. Abro a geladeira e tiro um litro de Vodka Smirnoff.
Tomo um gole ligeiro. Cheiro o copo vazio e penso a mesma coisa de todas as outras vezes: "Isso é terrível, acho que agora realmente estou no fundo do poço".
Deito no chão da sala com a garrafa escorada na minha costela esquerda. Repenso tudo que já pensei. Viver sozinha não é a pior saída pra alguém como eu, a solidão é um espelho onde podemos ver quem realmente somos e por isso muitos evitam andar solitários. Quem é você sem ninguém por perto? Podemos ser heróis ou vilões ou podemos simplesmente ser mais um integrante da raça humana, em pensar que tantos anos se passaram e nunca ficamos tão diferentes de quando éramos homo erectus, sempre em busca de território e dominância.
Já são 20 horas e eu ainda estou aqui deitada fedendo a álcool. Quanta responsabilidade de alguém que marcou uma consulta às 21 horas.
Ao me mexer para ficar de pé a minha coluna dá um estalo. Deixo a garrafa sobre a pequena estante de livros que fica ao lado da mesa do computador. Pego a toalha e vou para o banheiro.
Procuro qualquer roupa em meu armário. Uma calça moletom com uma baby look casual? Serve.
A campainha chama. É ele.
Destranco a porta, giro a maçaneta de formato rústico.
- Senhora Vaz -ele estende uma de suas mãos - boa noite.
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Júlia, quando ninguém amou
Romansa"No silêncio da manhã com o brilho do sol espalhando-se na cama eu não consigo pensar em nada. Serei uma tela em branco onde me tornarei uma obra de arte quando o meu fim chegar?" Um drama narrado por alguém que nunca entendeu o sistema em que vive...