Parte I

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Depois de entrar e trancar a porta do quarto 202, ela respirou fundo e varreu com os olhos a repugnante decoração que fundamentava o recinto. O local não estava totalmente imerso nas sombras e, muito menos, vago, como avisou Lugosi, pois, numa saleta próxima, diante de um abajur acesso, um rapaz de estatura mediana, trajando smoking, fazia-lhe reverência e, logo depois, ligava um gramofone. Antes que ela pudesse contestar, uma melodia malemolente começou a ricochetear pelo quarto.

É pau, é pedra, é o fim do caminho

É um resto de toco, é um pouco sozinho...

— O que significa isso? — quis saber ela, atônita.

— Tom Jobim, querida — respondeu.

— Não gosto de piadistas. Quem é você e o que faz aqui?

O rapaz caminhou até um ponto do quarto, movimentando-se no ritmo da bossa nova. Uma rajada de ar esbofeteou a moça quando ele, conspícuo, escancarou a janela.

— Você recorreu a um cano de escape melodramático. Então, é melhor pular agora, vai chover daqui a pouco. Caso contrário, Rita, o barulho da chuva camuflará o som do corpo chocando contra o asfalto — recomendou, vislumbrando o céu. Depois, jovial, voltou-se para ela. — Queremos que todos apreciem o espetáculo, não? Por favor, querida, não me olhe dessa forma, coloque um belo sorriso no rosto e venha saborear uma boa música antes do seu grand finale.

É o fundo do poço, é o fim do caminho

No rosto o desgosto, é um pouco sozinho...

— Pare. Pare essa música maldita! — gritou, aturdida; avançou até o gramofone negro e o derrubou no chão. Dos restos do velho aparelho, ergueu um pedaço pontiagudo do que parecia ser uma placa de prata. — Vou ser direta, rapaz. Não sei como sabe meu nome nem o que está acontecendo aqui, mas sugiro que saia imediatamente deste quarto. E caso não obedeça, tomarei providências extremas.

DELÍRIOS SOMBRIOSOnde histórias criam vida. Descubra agora