Prólogo

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A ideia do suicídio é uma grande consolação: 

ajuda a suportar muitas noites más. 

— Friedrich Nietzsche


— Quero morrer hoje! — dizendo isso, Rita adentrou com displicência o saguão do King Edgar Hotel. Ela tentou passar despercebida pelo saguão, no entanto, o singular vestido de noiva e a maquiagem gótica, borrada pelas lágrimas, atraíram os olhares dos hóspedes e funcionários que vagavam pelo local. As teorias elaboradas pelos curiosos sobre a presença dela ali eram claramente utópicas. Ninguém foi criativo o bastante para chegar perto das desgraças que ela viveu por uma hora durante um baile à fantasia realizado pelos veteranos da faculdade para recepcionar os calouros. As desventuras começaram quando, avisada por uma colega, ela flagrou o namorado Carlos, rapaz que tanto pregara a moral e os bons costumes, cometendo adultério, no setor de almoxarifado, com uma discente do último semestre de História. Em prantos, partiu para cima dos dois, dilacerando suas abomináveis fantasias e desejando matá-los ali mesmo, entretanto, depois de alguns palavrões, tapas e empurrões, reconsiderou parar o ataque, afinal, não sujaria suas mãos com o sangue deles. Ao retornar ao salão de festa, agora tomado por risos e confabulações, interrompeu a caça por uma alma caridosa que pudesse lhe dar carona até sua casa, pois ficara perplexa ao vislumbrar um pequeno telão exibindo um vídeo amador da intimidade de um casal. Meu Deus! Sou eu ali, completamente nua... O cretino do Carlos tinha gravado o vídeo — só um fetiche para esquentar mais a relação —, prometendo que apagaria depois. Ele não apagou aquela porcaria e o arquivo caiu nas mãos dos brincalhões da faculdade, provavelmente com a ajuda daquela piranha do último semestre de História. Carlos é um imbecil. Agora, serei alvo de escárnio e, possivelmente, vou perder a bolsa do sistema de auxílio da Reitoria para discentes modelo... Ela buscou a saída mais próxima do salão, contudo, já era tarde. Os veteranos já apontavam o dedo, riam e falavam coisas terríveis. Despedaçada e ridicularizada, conseguiu sair por uma porta, mas fugir não era o bastante; perambulou pelas ruas do centro antigo de São Paulo, cogitando seu futuro, e viu no King Edgar Hotel a solução para seus problemas.

— Um quarto, por favor — pediu ela ao chegar à recepção.

O recepcionista, Vicente Lugosi, largou uns papéis velhos e olhou para ela. Logo percebeu que a expressão na face da moça era de ruína. Ele poderia ficar observando-a pela eternidade.

A moça, num tom de voz mais ríspido, voltou a repetir o que dissera ao chegar. O recepcionista era velho e, talvez, não escutasse com clareza. Mas, desta vez, ao falar, jogou cédulas amassadas no balcão, afinal, dinheiro sempre será a voz decisiva em um mundo capitalista.

— As chaves dos quartos vagos estão ali, moça. Você pode escolher o quarto que preferir — disse ele com calma, depois de um longo silêncio, apontando para o quadro de chaves. — E se precisar de algo mais...

— Não se preocupe comigo. Se eu ficar com medo — disse, sombria, enquanto pegava uma chave na parte superior do quadro —, telefono à recepção e peço um revólver.

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