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— O que você faz por aqui?

O homem usava, principalmente, uma elegante jaqueta marrom, enquanto caminhava quase no fim da tarde daquele domingo. O som do céu pigarreando sutilmente precedeu o despencar tranquilo da chuva que persistiria até o dia seguinte. O homem parou e olhou o céu por um momento. O cumprimento lhe pegou de surpresa, quando se propunha a começar a andar novamente.

— Mas quanto tempo, meu amigo!

A pessoa que se aproximava era tão alta quanto o homem da jaqueta elegante, porém seu rosto era muito menos cansado e feliz.

— Ei, vamos sair da chuva, não é?

O homem da jaqueta elegante apertou, em reposta, a mão do homem que lhe cumprimentava tão contente. E juntou-se a ele debaixo da marquise de um boteco, onde outros abrigavam-se também. Não da chuva, porém, mas de suas vidas cotidianas. E faziam de seus copos cheios, suas marquises contra a chuva de aborrecimentos que os sufocariam se eles permitissem.

— Você viu, a chuva fez transbordar o rio lá na Calçada da Fama ontem. Essa é a pior parte do verão.

Entretanto, o homem da jaqueta marrom apenas olhava a chuva sem nenhum desgosto aparente. Vendo que o aguaceiro não desagradava o quieto homem, o outro homem lembrou-se em voz alta:

— Ah, sim! Ignorei o fato de que você adora chuva. Sempre gostou, não é? Continua estranho, você, não é? — dito isso, gargalhou por um breve instante, recebendo em resposta, apenas um sorriso fechado, do homem da jaqueta marrom.

— Ei, porque não tomar um trago, hein? É, eu pago, venha!


Acima da cabeça do homem que convidara a pessoa de jaqueta para um trago, havia uma pequena TV. Nela era transmitida as imagens do homem que fizera o convite. Vestindo um terno azul escuro e uma gravata preta, ele relatava as notícias da semana passada. Percebendo, então, que o homem da jaqueta marrom elegante olhava com atenção o televisor, o velho conhecido virou-se para trás, a fim de ver também a televisão. Voltando-se, comentou:

— Que loucura, não é mesmo? Essa história de pessoas sumirem do nada. Que loucura. E não temos relatos disso em nenhum outro lugar do Brasil. Que loucura.

Virou seu copo de cachaça e fez uma careta de satisfação. O homem da jaqueta marrom imitou-o.

O homem, autor da convocação social, percebeu, em sua perspicácia, que seu amigo há muito não visto, não nutria lá muito interesse no assunto dos desaparecimentos. E sendo assim, como bom repórter, improvisou. Divergindo sorrateiramente para outro assunto:

— O que tem feito da vida, meu velho amigo?

— Tentando colocar a vida em ordem.

— Ah! A velha história de sempre! — mais uma vez, houve um breve gargalhar, e quando terminou, o homem sério e quieto que trajava a elegante jaqueta marrom já estava de pé, munido da quantia precisa para pagar o dono do bar pelos tragos que haviam ingerido. No trajeto da mesa até o caixa, ele pensava, "continue contando essas coisas para as pessoas que querem saber. Afinal de contas, é esse o seu trabalho. Enquanto isso, me deixe em paz. No inverno, se você ainda estiver por aqui, poderá ser o portador de uma notícia extremamente importante."

— Foi muito bom ver você novamente, depois de tanto tempo. — disse ele com sua voz fria e rouca. — Precisamos marcar algo em breve.

Com um sorriso encerrou a frase. Virou-se, sem se importar com o que seu amigo dissera, se é que havia dito algo, pois tudo o que estava atrás dele, havia ficado realmente para trás, simplesmente.

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