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O homem cruel e malvado foi até o canto onde o rapaz magro e pálido, em estado de coma, repousava de corpo e consciência, e trocou o soro. "Você pode dormir durante o verão, mas trate de acordar para o outono. Você vai ter muito trabalho a fazer". Disse a última frase olhando para a câmera filmadora em cima da mesa.

Chamou pelo nome um amigo, e visto que este não respondeu, deixou o menino e desceu os degraus de uma estreita escada absurdamente comprida e não linear. Havia uma porta no meio da descida e ele entrou. Lá encontrou seu amigo velho e barbudo cozinhando algo com um cheiro peculiar, e devorando alguns copos de cachaça. O homem de sobretudo, agora, no entanto, sem chapéu, conversou algumas palavras com o ocupado cozinheiro que fatiava uma pessoa e sorvia com desespero um copo de cachaça seguido de outro. Uma das vezes, em particular, despejara um pouco do líquido alcoólico, provido da cana de açúcar, na carne do corpo esquartejado. O homem cruel repudiou de uma vez por todas os hábitos alimentícios de seu amigo barbudo. Com palavras enganosamente despretensiosas, mantinha o diálogo para distrair seu oponente, enquanto pegava a chave da porta do outro lado da fechadura. Enfiou a pesada chave na grande fechadura da porta e saiu do ambiente fétido, trancando vigorosamente a porta. Voltaria mais tarde para selar a porta com maior ímpeto. "Ele só pode morrer de fome lá dentro, mas se for criativo, pode cozinhar a si mesmo e alimentar-se de sua própria carne. Provaria o sabor da justiça, se sua alma estiver temperada com uma pitada de coragem." Pensou isso sorrindo, e em seguida censurou-se. Pois não era a favor da morte, mas da vida. Porém, o destino daquele homem lhe pareceu justo e, de qualquer forma, ele procuraria uma forma de se redimir em breve. Caso não conseguisse, ele ouviu dizer que existia um Deus que vivia nas nuvens, mas tinha um dedo na cidade. E esse Deus era muito misericordioso, diziam. E a possibilidade de barganha entre homem e divindade lhe sussurou uma promessa ao espírito. Uma promessa de esperança e condenação.

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