Capítulo um

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– Não, não e não!

O ensaio é interrompido mais uma vez. Nossa nova diretora, Dóris está começando a sentir na pele o estresse que é dirigir uma peça de teatro. É claro que ninguém a culpa, pelo menos não muito, deve ser difícil seguir os passos do nosso querido diretor Hans, que sozinho, fez o teatro da cidade voltar à vida. Grande parte do elenco se sente solidário a Dóris porque ela deu muitos papéis importantes a alunos do primeiro ano. Tudo bem que os alunos mais avançados não quiseram participar de uma peça que não fosse dirigida por Hans, sobrando muitas vagas pro resto de nós, ainda assim, e de se admirar uma mulher que com quase nenhuma experiência no ramo artístico se aventure a dirigir a peça mais esperada do ano.

– Será que posso ter mais luz no meio do palco? Geovana! – Dóris gritou da primeira fileira.

Do centro do palco observamos Geovana, uma menina de pernas curtas e cabelos lisos correr até o refletor e direcioná-lo para a posição certa. Quando a luz acendeu foi como se o sol estivesse a dois palmos de nossos rostos.

– Menos luz!

A menina toda atrapalhada, com vários fios enrolados no pescoço, puxou algum fio errado e todas as luzes se apagaram de uma vez.

– Dá pra acreditar nisso? – reclamou um menino do meu lado.

– Não sei, não consigo ver... – respondeu o outro.

Quando as luzes acenderam vi um dos meninos dar um tapa na cabeça do outro. Percebi o olhar de raiva que Dóris lançou nos meninos e, mesmo sem ter feito nada senti meu estômago revirar.

– Vamos continuar da sua fala Du.

A história que vamos encenar esse ano se passa na Inglaterra em 1890. Quando uma série de assassinatos aterroriza os aldeões da cidade um herói é invocado. O "mocinho" da história interpretado por Eduardo, é um cavaleiro morto-vivo que só aceita ordem de mulheres que ele julga digna. O papel da mulher em questão, Florence, é trazido a vida por mim. No decorrer da história nosso herói, por ordem de Florence, mata metade da população atrás do verdadeiro bandido. Os aldeões começam a pensar que ele é o assassino pretendem matá-lo (de novo). Então quase no fim da peça, Florence percebe que está apaixonada pelo cadáver e dá a sua vida para poupar a dele.

É a cena final que está nós dando a maior dor de cabeça, a cada quinze minutos Dóris decide mudar o roteiro, ou os personagens ou até o som de fundo. Na versão mais atualizada Du recebeu um monologo de quatro minutos sobre, como o seu amor ia ultrapassar os véus entre os mundos e Florence nunca estaria verdadeiramente sozinha. Assustador se perguntar pra mim, mas Florence está realmente comovida com ele, até porque o cara está prestes a morrer.

Mesmo com o texto em mãos Du apenas dá uma lida rápida e tenta memorizar as falas sem olhar. Ele respira fundo, concerta a postura, segura minhas mãos e encara meus olhos.

– Minha querida Florence...

– Corta!

– Ah qual é – ele grita indignado

– Quero uma fila no centro do palco. Todo mundo no centro do palco, agora.

Levou alguns muitos até o pessoal técnico se juntar a nós no palco, Geovana que estava no fundo do teatro foi a última a chegar sendo acompanhada o tempo todo pelo olhar furioso de Dóris. Quando ficávamos todos alinhados ombro a ombro com Dóris marchando de uma ponta a outra só conseguia pensar que é assim que soldados militares devem se sentir. É por esse motivo que Dóris foi apelidada por nós de capitã. Seria um bom apelido mas, o jeito que adolescentes cansados e com fome o pronuncia parece mais uma ofensa.

Operação primeiro beijoOnde histórias criam vida. Descubra agora