Capítulo três

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        Eu não gostava de brincar de boneca na época em que era socialmente aceitável eu brincar de boneca. Agora com dezoito anos na cara eu passo horas penteando os longos cabelos dourados das bonecas, trocando suas roupas e criando diálogos com a irmã mais nova de Cassey. Assim que chegou da escola o mini tornado de sete anos, também conhecido com Joana já chegou gritando o meu nome. Como Cassey havia saído de casa, sem dizer nada sobre o plano que ela estava tramando, e me deixado sozinha eu fiquei feliz em ter a Joana pra me fazer companhia.

O quarto de Joana era cheio de vários brinquedos diferentes, fora as bonecas e casinhas ela também tinha alguns bonecos de ação e algumas espadas. É muito legal da parte de Dafne deixar a filha escolher qualquer brinquedo e não só os próprios para meninas.

Estávamos sentadas no chão rodeadas de brinquedos.

– Então um monte de soldados entram no castelo pra procurar a foca mágica. – Joana me deixava a par do contexto da história. – Mas as princesas não querem deixar eles entrarem.

A criatividade é um traço genético da família, Dafne ganha à vida como publicitária e tem uns anúncios espalhados pela cidade. Cassey é uma grande compositora de música, foi ela que escreveu várias das músicas que eu tive que cantar quando o nosso diretor resolveu investir nos musicais. Foi assim que conseguimos ficar popular na cidade.

– E por que não?

– Porque eles não pediram: por favor.

Eu ri e concordei com a cabeça. Faz sentido.

– Aí esse aqui – ela segura um boneco todo musculoso – Ele dá um mortal e pula no telhado. – Ela fez o boneco praticamente voar e colocou o colocou no topo do gigante castelo rosa.

Era bonitinho ouvir Joana falar agora que seus dois dentes da frente tinham caído. Lembro de quando ela começou a engatinhar, e quando falou meu nome pela primeira vez. Eu só tenho dezoito anos e já me sinto uma avó.

Entrei na brincadeira e comecei a improvisar, Joana ria todas as vezes que eu falava com uma voz engraçada ou com um sotaque de outra região. Eu também me divertia quando ela fazia barulhos de explosão ou tropeçava em alguma palavra que ela não sabia pronunciar.

– Desculpa aê irmão, eu vou ter que meter o pé por causa de quê não tô no clima pra bater as botas. – carreguei o sotaque carioca do meu boneco.

– Meter o pé? – ela perguntou rindo.

– Quer dizer ir embora.

Joana abaixou os dois bonecos que estavam na sua mão e me olhou triste.

– A minha irmã também vai ir embora. Pra outra escola, não é?

O resultado oficial ainda não tinha saído, mas Cassey é uma garota esperta e se inscreveu para um curso de música não muito concorrido em outro estado. Não tinha idéia que Joana sabia disso.

– É provável que sim. Mas não precisa ficar triste Jô, ela vai voltar sempre que dê.

Ela arrumava o cabelo da boneca.

– Quando ela for, você vai também?

– Não, eu não. Eu vou ficar aqui.

Terminei o ensino médio em menos de dois anos. Eu fiz uma prova pra faculdade de medicina na cidade ao lado e tirei 98 de 100. A instituição tentou processar meu pai, alegando que eu tinha colado e não era possível uma garota de 16 anos tirar uma nota tão alta. Me mandaram fazer a prova de novo, dessa vez com policias na porta e dois professores me encarando, tirei 91. Não foi o meu melhor, mas o suficiente pra me tirar das aulas de educação física.

Operação primeiro beijoOnde histórias criam vida. Descubra agora