Capítulo Cinco - Beatriz

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Não consigo me lembrar como cheguei em casa ilesa. Leonardo dirigiu feito um louco e a estrada que liga as duas cidades pareceu mil vezes mais perigosa do que normalmente já é. O silêncio foi tão grande que pude ouvir os grilos cantarolando e, por muito pouco, não fiquei sem o pé ao desembarcar em casa. Eu só não podia deixar ele entrar de novo na minha vida e bagunçar o que levei anos para colocar no lugar.

Minha mente vagueia por todas as lembranças que por muito tempo quis esquecer. Ligo o chuveiro entrando de roupa e tudo debaixo dele. Deixo a água levar qualquer sombra dele de mim. As gotas geladas escorrem pelo meu corpo e a única coisa que consigo recordar é de sua boca contra a minha e seu toque enviando arrepios por todo meu ser. Droga, meus planos estavam indo rio abaixo.

Desisto de dormir quando os sons fora do quarto são bem mais altos do que minha força de vontade. Mal coloco o pé para fora e sou atingida por um cheiro delicioso. Meu adormecido estômago começa a demonstrar sinais de vida. Os efeitos do álcool começam a aparecer assim que desço as escadas. Alison e Milena estão sentadas no balcão assistindo ao show culinário de João Albuquerque.

— Sabia que você acordaria com esse cheiro — resmunga sem nem mesmo me ver.

— Bom dia para você também, pai. — Dou-lhe um beijo estalado.

— Você cheira a bebida — minha mãe resmunga.

Sento-me ao lado de minhas irmãs e ignoro seu comentário maldoso.

— Vai soltar do pé dela algum dia, velha? — papai brinca.

Um sorriso toma conta do rosto da minha mãe. Isso é uma coisa que não vejo há algum tempo. Ainda mais quando eu estou no meio da história.

Entre risos e brincadeiras, o café da manhã foi extremamente divertido. Disfarcei ao máximo para que meus pais não percebessem minha conversa paralela com as meninas, mas tenho certa desconfiança de que não foi como planejei. Alison não ficou nem um pouco feliz com minha atitude. Segundo ela estou cometendo a pior burrada da minha vida e que ainda me arrependerei disso. Duvido que isso realmente aconteça, mas respeito sua opinião e vindo da pessoa que veio, pode até ser que aconteça.

— Tenho uma notícia não muito boa — Milena sussurra assim que chega à sala.

— O que foi? — instigo-a a continuar. Odeio suspense.

Assusto-me com a risada que veio da pessoa ao lado. Alison se contorce no sofá, rindo de uma piada que só ela entende.

— Dá para me dizer o que foi?

A expressão em seu rosto modifica. Seu olhar fica cauteloso, como se esperasse por alguma briga. Endireito-me no sofá me preparando para uma notícia ruim e Milena não espera nem um segundo antes de jogá-la na minha cara:

— Os Hatcher vêm almoçar aqui!

— Sério? — Apoio minha cabeça sentindo o peso sobre ela triplicar.

Não havia forma de escapar daquilo, nenhuma desculpa seria suficiente para que João e Cláudia me livrassem do tormento e eu não estou pronta para mais um bate boca. Desisto de bolar algum plano infalível e decido ajudar meu pai na cozinha. Não que exista algum dote culinário em mim, mas lavo uma louça como ninguém. O dia está ensolarado e se estivesse no Rio, com certeza, aproveitaria a praia.

Passar esse tempo com meu pai foi diferente de tudo que já fiz em minha vida. João Albuquerque é a pessoa mais incrível que já conheci em toda minha vida. Batalhador, bem-humorado e, mesmo com seu rigor militar, supercarinhoso. Na época que era obrigado a ficar de serviço, ele vivia perguntando as coisas escondidas para a minha mãe, querendo saber um pouco mais de suas filhas. Depois que se aposentou tudo ficou mais fácil. Se acostumar com a vida ociosa ou com nossa proximidade foi difícil, mas em nenhum momento papai desistiu e isso fez com que eu o admirasse ainda mais. Ele é meu herói e não tenho dúvidas disso.

Inquebrável - Um amor pode durar para sempre?Onde histórias criam vida. Descubra agora