Despedidas

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Despedidas familiares são sempre longas.

Eu apenas concordo. Concordo quando minha mãe diz que preciso espairecer. Concordo quando ela diz que preciso trabalhar menos. E concordo quando ela diz que preciso de amigos, e talvez de uma namorada.

— Você sabe que eu me preocupo, filho. Um jovem de apenas vinte e oito anos, que faz questão de ser tão introvertido.

Minha mãe espera que eu concorde, mas não o faço. Não me considero introvertido, apenas fechado. Não aprecio pessoas que fazem amizade com Deus e o mundo por medo de ficarem sozinhas.

—... você não precisa ser tão recluso só porque agora é um homem de negócios.

— Mãe! Isso não tem nada a ver com o fato de que agora o negócio do papai é meu. - digo, sem pestanejar - E eu não sou recluso. - acrescento. E, realmente, não me considero alguém recluso. Acho que a definição certa seria "cansado".

É como se cada fibra do meu ser não suportasse mais outra despedida. Não esse tipo de despedida familiar, longe disso! É aquele tipo de despedida em que só se diz "tchau", mas bem lá no fundo, você sabe que é um adeus. Eu não suportaria. Contudo, por mais que eu sinta medo da despedida, anseio por uma nova relação. Paradoxal, não é?

— Vou tentar ser menos recluso - pigarreio, indicando aspas com os dedos, ao pronunciar a palavra "recluso" - Mas não hoje, porque hoje estou muito ocupado. Tenho que ir.

-Tudo bem. Até depois, filho. Amo você.

-Até. Também amo você. - afasto o carro do gramado da casa da minha mãe, e acrescento um lembrete mental: passar mais tempo com ela. 

Como eu odeio cidade grande. O trajeto até o apartamento é longo e cansativo. Enfadonho, até, quando tenho que percorrê-lo todos os dias. São tantos semáforos, desentendimentos e grosserias gratuitas... tudo tão complexado.

Por que não a tranquilidade de uma cidade pequena?

Seria ótimo adormecer com o barulho do vento, em vez de o som incomodativo de sirenes e buzinas que vem das ruas movimentadas de São Paulo.

Pegar uma fila e esperar menos de uma hora até ser chamado? Utopia, eu diria. Uma cidade sem engarrafamentos e filas que se assemelham à uma centopéia, de tão longas? Mais utopia ainda!

Apesar de me sentir incomodado com a cidade em que moro, me sinto reconfortado ao entrar na rua pacata do meu condomínio.

Embora eu tenha dinheiro suficiente para comprar um apartamento maior, prefiro a tranquilidade de morar em um prédio de três andares, que tem como calmo seu mais forte adjetivo.

Me sinto à vontade aqui. Sou o único em meu andar, isto é, sem gritos de vizinhos, barulhos de animais - um dos defeitos do meu prédio é que animais de pequeno porte são permitidos - e o som de músicas desagradáveis de madrugada.

D. Lourdes, a antiga vizinha do lado, se mudou há dois meses. Disse que não aguentava mais os sons de martelos e furadeiras, vindos da construção ao lado de sua janela.

Graças a São Paulo e suas construções intermináveis, eu não precisaria ouvir seu papagaio falando o dia inteiro. Não que o barulho da construção não me incomode, longe disso! Mas eu mal fico em casa durante o dia, o que faz com que a construção não se torne um problema.

Desde que a construção começou, o apartamento de frente ao meu se tornou inabitável. A construção é de frente para ele, e o barulho é ainda mais ensurdecedor lá. Sem contar a poeira que invade os cômodos diariamente. Não consigo imaginar que tipo de pessoa seria burra o suficiente para alugá-lo.

Mas, se querem saber, eu me sinto bem assim. Somente eu neste andar, querem tranquilidade maior? Sem vizinhos, sem visitas - exceto Fátima, a faxineira - e sem cordialidades forçadas. Ótimo!

Caminhado em direção à porta do meu apartamento, e ao mesmo tempo retirando as chaves dos bolsos, e segurando uma pilha de formulários de transportadoras, demoro perceber a água saindo do apartamento de frente ao meu.

Quando me dou conta, sinto algo molhado embaixo de meus pés, e tento me manter em pé, mas é em vão. E depois, não vejo mais nada.

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