Cuííííí.
Que barulho é esse? Parece um... Nossa! Que dor de cabeça! E que... que cheiro de poeira. Esse não é o meu apartamento.
Abro os olhos trêmulos e os fecho novamente devido à luz da lâmpada incandescente - e nada econômica.
Definitivamente, esse não é o meu apartamento.
No mesmo dia em que me mudei para o condomínio, troquei todas as lâmpadas - e móveis. Todos eles estavam caindo aos pedaços, e haviam sido comprados há pouco tempo. Provavelmente teriam que ser trocados após alguns dias, o que não aconteceria se o Sr. Label tivesse comprado móveis mais caros, mas realmente bons.
O Sr. Label, nosso síndico, não é muito fã de investimentos - e de cálculos, cá entre nós.
Deus me livre pegar o elevador do condomínio, seria suicídio!
Decido abrir os olhos novamente, que ainda estão vacilantes devido ao confronto direto com a luz.
Assim que abro os olhos, me deparo com uma garota ruiva, com os joelhos no chão, limpando toda àquela água espalhada pelo piso.
Ela seria bonita se não fossem os cabelos complemente desgrenhados, pijama molhado, e também... se não fossem as circunstâncias.
Penso em me pronunciar, dizer alguma coisa, questionar o motivo pelo qual estou deitado em um sofá econômico do Sr. Label; e não em um dos sofás do meu apartamento.
Reprimo a vontade de rir daquela situação.
Estou num apartamento que não me pertence, com uma garota que não faço ideia de quem seja, no meio de uma bagunça interminável. E é difícil não observar seu jeito desajeitado de limpar o chão.
Cuííííí.
Deixo escapar um gemido baixo de insatisfação, devido ao som que me causou incômodo desde que acordei.
- Você acordou! Graças a Deus! Eu não queria ser indiciada por assassinato. - diz a garota, se levantando do chão.
- Quem é você? - pigarreio, quebrando o silêncio.
- Valentina. Ou Val, se preferir. - dito isso, ela estende a mão, como se estivéssemos em posição de nos cumprimentar. Não devolvo o gesto.
Cuííííí.
- Meu Deus! Por que estou aqui? E que barulho é esse?
- É... é que... a água lá fora. Você bateu a cabeça. E esse barulho é do Ben, meu porquinho da índia.
- Ah, é claro! A água que vinha do apartamento... só podia ser sua culpa. Você é uma nova inquilina? - Era só o que me faltava! Após a mudança da Dona Lourdes eu pensei que finalmente teria paz, mas acho que me enganei. O porquinho da índia é ainda pior do que o papagaio.
- Sim! Quer dizer, não! Não foi culpa minha. Foi totalmente sem querer. - Ela parecia realmente empenhada a se desculpar, mas mal conseguia formular uma frase sem se embaralhar. - E eu sou a Val, a sua vizinha!
- Eu sei. Você já disse isso.
- Mas você não me disse seu nome. Embora eu não tenha perguntado... é educado dizer seu nome, já que eu disse o meu.
- Benjamin.
- Sério?! Então nós temos dois "Bens" no mesmo andar! - disse com uma empolgação um pouco efusiva, como se estivesse tentando de toda e qualquer forma reparar o erro cometido. Mas essa tentativa de quebrar o gelo não daria certo. Eu garantiria que não.
- Eu disse Benjamin, não Ben.
- Ei... eu só pensei que você gostaria do apelido, Ben. - insistiu, com um sorrisinho irônico no rosto.
- Benjamin! - disparo, me levantando. Não posso passar mais um segundo nesse apartamento. Meu toc não permite que eu fique em um cômodo empoeirado, molhado, e completamente bagunçado. Vou enlouquecer!
- Pera aí! Desculpa Benjamin, por isso. - pede ela, se colocando na frente da porta, e apontando para o chão alagado - Por tudo, quero dizer.
- Olha, tudo bem. Eu só quero voltar ao meu apartamento, e... - minha atenção é atraída para o notebook em cima da mesa. Me pergunto que tipo de pessoa ligaria o computador num caos desses. É impossível que alguém se preocupe mais em continuar conectado à Internet, do que em arrumar o próprio apartamento. - Por que você está conectada à Internet enquanto seu apartamento está nesse estado? Quantos anos você tem? Dez? - deixo escapar minha indignação antes que possa me dar conta.
- "Conectada à Internet"? - debocha Valentina, simulando aspas com os dedos enquanto imita minha voz - Quantos anos você tem? Oitenta?
- Desculpe, é que uma pessoa adulta estaria mais preocupada em arrumar seu apartamento.
- Eu estou preocupada! Mas tenho um post pra fazer hoje, e...
- Espera. - interrompo, antes que ela possa terminar a frase - Você trabalha para a Internet?
- "Trabalha para a Internet" - debocha outra vez, revirando os olhos - Pare de falar essas coisas. Você parece o meu avô! E sim, eu sou blogueira.
Era essa a palavra. Blogueira. Pessoas que têm sites na internet e não fazem mais nada além de falar da vida dos outros, ou de suas próprias vidas, ou de coisas que ninguém quer saber. Ótimo! O confronto estava sendo pior do que eu esperava que fosse.
Resolvo ignorar o insulto que a nova inquilina impertinente fez questão de destacar duas vezes. Como se o fato de eu não fazer parte da trupe dos internautas me tornasse um velho. Mais essa agora!
- Eu tenho mesmo que ir. - digo, impassível.
- Pode ir, Ben. - responde, abrindo a porta da casa e estendendo a mão após o ato. Ela exibia um esgar de prepotência e desapontamento, como uma criança mimada quando confrontada.
Ando em direção à minha porta e escorrego na água que resta no chão, mas sou rápido o suficiente para me agarrar à maçaneta.
- Parece que alguém aqui precisa ter mais cuidado. - alfineta a companhia indesejada.
Não lhe dou o prazer de obter uma resposta e entro em meu apartamento.
Ainda encostado na porta, penso que não terei paz enquanto não resolver essa situação. E penso também, que Valentina não estaria disposta a resolver de forma civilizada.
A única saída é fazer com que ela se mude.
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Memórias de nós mesmos
Romance[HIATUS POR TEMPO INDETERMINADO] Benjamin odeia a internet. Odeia todos seus aplicativos, usuários, sites - a odeia inteiramente. Ele é o mais pé no chão possível, e tenta realizar apenas o que está ao seu alcance. O típico cara comum (ou careta). V...