A mudança

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— Valentina! Esse livro é meu. - protesta Tom, quando percebe que estou levando um de seus livros.

— O quê? Tom... você nunca nem leu essa droga de livro. - Na verdade, eu também não li, mas pretendo - E se quer saber, depois do constrangimento que você está me causando, é o mínimo que eu mereço. Um livro.

— TÁ! Pode levar, leva o que quiser, aliás. Você venceu.

— O que eu quiser? - ponderei minhas opções, e na verdade, não havia nada que eu quisesse levar. - Na verdade, não quero nada que venha de você.

— Ah Val, para, vai. Me desculpa.

— Pra você é Valentina. E, claro, te desculpo, uai. - Tom ri baixinho, e depois tenta disfarçar forçando uma falsa tosse. Por mais que eu tente, não consigo esconder minhas raízes mineiras. Principalmente quando estou nervosa. Nessas horas, disparo frases com palavras típicas do norte de minas. E é claro que isso não passa despercebido em São Paulo, uma das maiores cidades do mundo, e com um sotaque tão diferente do qual me acostumei.  Resolvo continuar meu monólogo, porque quero que Tom se culpe o máximo que puder. - Te desculpo por terminar comigo um dia antes de a minha família vir pra cá. Obrigada, aliás. Não queria que meus familiares te conhecessem. - menti - Agora, dá licença da frente da porta. - Forço um pouco o "R", e dou um sorriso falso. Como quem diz: sou tão paulista quanto você.

Peguei tudo que me pertence - e até o que não pertence - e saí em direção ao Edifício Gran Center, o prédio em que aluguei um apartamento mais cedo.

Para a minha sorte, tenho dinheiro guardado. E recebo um bom salário mensal , graças à Internet. Caso contrário, o que eu faria?! Com a faculdade de Estudos literários em andamento, duas bocas para alimentar - somos eu e o Ben, meu porquinho da índia - e longe da minha cidade natal; eu estaria perdida!

Meu apartamento é pequeno, mas muito confortável e aconchegante. Exceto pela poeira, que me causa alergia. Se não fosse pelo fato de que o lugar não tem ar condicionado e Wi-Fi, seria perfeito.

— Agora somos só nós, Ben. - digo, enquanto afago sua cabeça e percebo a vista de frente para minha janela - Ah, mas veja só. A sua dona, sempre com uma capacidade intelectual descomunal, alugou um apartamento de frente para uma construção. - Usar a ironia em situações frustrantes é quase sempre minha válvula de escape - É ou não é uma maravilha?

Ben permanece imóvel, me fitando, como se quisesse acrescentar algo.

Coloco Ben na gaiola e me conduzo para o banheiro, e arfo de felicidade quando me deparo com uma banheira.

Quando criança, eu costumava tomar banho em uma bacia, e fazia questão de dizer para todos que era uma jacuzzi. Era um desejo infantil, mas ali, me senti criança novamente. Não era uma jacuzzi, mas já era um grande passo.

O espaço vazio da banheira vai se preenchendo aos poucos com a água, mas ela desce num fluxo tão pequeno, e de forma tão lenta, que começo a sentir sono após alguns minutos observando a água saindo pela torneira. Me deito no sofá para esperar de forma confortável,  mas antes que eu possa me dar conta, já caí no sono.

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