Prazer, Gustavo

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"Um de nós lembrou-se de indagar ao nosso cego se ficaria contente em ter olhos: Se a curiosidade não me dominasse, disse ele, eu preferiria muito mais ter longos braços: parece-me que minhas mãos me instruiriam melhor do que se passa na lua do que vossos olhos ou vossos telescópios; além disso, os olhos cessam de ver mais do que as mãos de tocar. Valeria pois muito mais que me fosse aperfeiçoado o órgão que possuo do que me conceder o que me falta..."

DIDEROT, DENIS.(

Carta sobre os cegos para uso dos que veem. Em: Os pensadores. Nova Cultural, 1979, p. 32.)


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Ano de 2016 — entre 1 dia e 2 meses

***


Abrir os olhos é tipo um reflexo ou talvez uma piada sarcástica de um cérebro fanfarrão?

O botão do relógio protestou com um ruído quando o pressionei.

São... cinco... horas... e... quarenta... minutos.

Meus pés deslizaram a contragosto da cama.

É um pesadelo como grande parte das vozes disponíveis em aparelhos eletrônicos se parecem com a de tradutores, quem teve essa brilhante ideia nem sonha com o quanto é irritante ter de conviver com eles todos os dias. E para que todas essas pausas? Quem tem problemas auditivos não deve comprar um relógio como este, a menos que seja outra piada sarcástica; o mundo está cheio delas.

Abri o guarda-roupa sem interesse por nenhuma peça em especial, tudo o que precisava era estar apresentável, como em qualquer outro dia de trabalho.

Não importa a quantidades de vezes que já tenha despertado nesse horário, nunca me acostumo. Tudo bem, as horas passam rápido, os dias são curtos, e nós precisamos nos entregar a uma vida de ofício que não nos leva a lugar nenhum e acaba em mais outro ofício, mas eu seria mais produtivo se levantasse às oito da manhã.

"Por favor, nem amanheceu."

— Ai! Quente!

A porcelana queimou meus dedos, e a caneca bateu com demasiada força sobre a pia quando a soltei rápido demais. Notei, surpreso, que já tomava meu café. A maravilha do piloto automático, de repente você está com uma caneca fumegante nas mãos e não tem a mais vaga lembrança de como chegou ali.

Conferi se havia desligado a cafeteira, prendi a bengala entre os dedos e tratei de ligar o modo manual a caminho da porta. As chaves tilintaram na fechadura até não poderem mais girar, a prudência me fez verificar se estava devidamente trancada; guardei as chaves no bolso e chamei o elevador.

Tim! O som agudo anunciou a chegada do meu transporte, mesmo que fosse perfeitamente audível o deslizar da porta que se abria. Entrei e apertei o botão T. Em pouco mais de um minuto, o mesmo sinal sonoro preencheria o silêncio momentâneo.

"Ao menos alguém se lembrou de me avisar do abrir e fechar da porta automática."

Tim!

— Dia, seu Gustavo! — o porteiro me cumprimentou com o seu forte sotaque peculiar, que perdeu a origem depois de tantos anos morando em uma grande cidade.

— Bom dia, seu Clóvis, e bom trabalho para o senhor — respondi sem deter o passo.

O portão estalou, destrancado.

Além De Ver, Sentir -- AMOSTRAOnde histórias criam vida. Descubra agora