Por algum motivo, a atendente da livraria demorava mais do que o normal para finalizar a compra.
— Acho que vou marcar uma consulta com um fonoaudiólogo — Violet comentou ao meu lado.
— É uma atitude muito sábia. — Ri.
— Ficou trezentos e vinte e cinco reais, os cinco livros — a atendente informou, um tanto incerta sobre algo.
— Dá pra parcelar? — perguntei a ela.
— Em até cinco vezes sem juros — ela respondeu, baixo. O som de sua voz não estava voltado para mim.
— Hum... — Ignorei o comportamento dela. — Não lembro agora como está o saldo do meu cartão. Só um minuto que vou verificar.
Eu me afastei do balcão, alcancei o celular em meu bolso, pluguei os fones de ouvido e busquei o aplicativo do banco.
— Senhora — a atendente sussurrou atrás de mim. — A tela.
— O quê?! — Violet perguntou, confusa.
— O celular bloqueou — a atendente continuou a sussurrar. — Não vai ajudar ele?
Um longo silêncio se seguiu.
— Está... tudo certo — Violet respondeu, insegura.
"Violet insegura?"
O silêncio persistiu enquanto consultava o saldo do cartão. Violet permanecia tão quieta, que era como se houvesse ido embora. Mexi em meus aplicativos a esmo e estendi o meu tempo de uso do celular.
"O que vai fazer? Vai me ajudar agora?"
Nada. Violet parecia nem mesmo estar me dando mais atenção.
Voltei para perto do balcão, retirei os fones de ouvido, os guardei com o celular em meu bolso e alcancei a carteira.
— Pode parcelar em três vezes, por favor. — Estendi o cartão do banco para a atendente.
— Claro — ela concordou, novamente incerta.
A fraca sensação de movimento à minha frente não me deu dica do que aquilo significava.
— Pode digitar a senha, senhor — a atendente me pediu, baixo.
— Tudo bem. — Estiquei as mãos e tateei a madeira em busca da máquina, mas tudo o que encontrei foi o vazio, ela não parecia estar por perto.
Violet colou ao meu lado, alguma coisa deslizou de forma ruidosa sobre o balcão.
— Aqui, Gu. — Ela tomou a minha mão e a depositou delicadamente sobre o aparelho.
— Obrigado, Violet. — Segurei a máquina com ambas as mãos, encontrei com o polegar o relevo que marca o botão central e digitei a senha. Ouvi um suspiro vindo da atendente quando o aparelho zuniu ao liberar o comprovante de pagamento.
— Obrigada, senhor. — Ela empurrou a sacola com os livros para perto de mim.
— Eu que agradeço — respondi em busca do cartão que ela não me entregou em mãos.
Os corredores do shopping relativamente vazios para uma sexta-feira à tarde ecoavam as poucas conversas.
— Então você se recusou a ajudar um cego — fingi repreender Violet.
— Me recusei a ajudar? — Ela levou um segundo pensando. — Você ouviu a atendente falar do celular?
— Mexi por alguns segundos em meus aplicativos só pra ver o que você faria.
— Que absurdo! — Ela riu. — Você é terrível, Gustavo.
— Não senti muita firmeza naquele seu "Está tudo certo". — Ri. — Queria saber até onde ia.
— Muito legal da sua parte. Querendo me fazer passar por boba na rua — Violet se fez de magoada.
— Você já me viu usar o computador — apontei.
— Mas o celular é touch, tem o bloqueio de tela... — Sua voz perdeu a força conforme as palavras deixavam sua boca. — Ah, que se dane! Foi estranho ver você usar o celular com a tela preta, parece que está bloqueado.
— Não vou negar que foi divertido ver você assim. É sempre tão desprendida em relação a mim.
— Você que pensa — ela resmungou baixo.
— Como é? — A confusão me tomou.
Violet inspirou fundo.
— Tomei pra mim que você é um homem feito e sabe o que é melhor pra si. Eu tento não interferir em nada, mas isso não significa que às vezes não me sinta um pouco apreensiva.
— Bem... — A revelação me surpreendeu. — Você pode me perguntar qualquer coisa, não se intimide com isso, só me incomoda quando tentam fazer tudo o tempo todo por mim.
— Dica anotada.
— Você não é obrigada a conhecer a minha rotina, mas saiba que estou muito feliz por não me subestimar. — Eu me abri com ela.
— Fico feliz por isso. — Violet riu baixo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Além De Ver, Sentir -- AMOSTRA
RomanceAdquira o livro completo na amazon - http://a.co/hQuify3 Cego de nascença, Gustavo acreditava que o seu maior desafio no mestrado seria a falta de adaptação da universidade à sua deficiência, mas qual não foi a surpresa ao descobrir que contrataram...